Os dois países garantem que continuam a trabalhar normalmente para a cimeira de Fevereiro, sobre o reforço da cooperação bilateral.
Como nos grandes romances, Portugal e Angola vivem uma relação conturbada que só a história pode explicar. Daquilo que parecem não restar dúvidas - basta olhar para a balança comercial -, é que os dois países têm mais a lucrar unidos do que de costas voltadas. Por isso o discurso de terça-feira última do Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, ao afirmar "as coisas não estão bem" e que não há condições para parceria estratégica, atingiu Portugal com preocupação.
Existem mais de 300 sociedades anónimas portuguesas em Angola, concentradas sobretudo em Luanda, e outros tantos pequenos negócios. Há 117 512 portugueses inscritos nos serviços consulares portugueses naquele país, de acordo com dados do Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas calcula-se que haja entre 150 e 200 mil portugueses emigrados em Angola.
Os ciclos migratórios entre os dois países inverteram-se nos últimos quatro anos e hoje há pouco mais de 30 mil cidadãos angolanos registados em Portugal. Quanto ao número de empresas, apenas 11 sociedades portuguesas tinham o seu capital social detido em mais de 50% accionistas angolanas, segundo dados do INE - Instituto Nacional de Estatísitca relativos a 2011.
Aqui, é preciso notar que nos dois últimos anos os investidores angolanos têm vindo a aumentar a sua presença no país através de diversas empresas ligadas a diferentes sectores de actividade, das telecomunicações à banca, passando pela energia.
Para dar uma ideia, e apenas no universo das empresas cotadas (onde as participações são todas inferiores aos referidos 50%), os angolanos têm 15% da Galp (1,510 mil milhões - Esperanza), 29% da Zon (306 mil milhões - Isabel dos Santos), 19,44% do BCP 425 mil milhões de euros - Sonangol), 19,5% do BPI (324 mil milhões - Isabel dos Santos), 15% da Cofina (8 mil milhões - Newshold) e 1% da Impresa (7 mil milhões - Newshold).
Se olharmos para o investimento directo (ID), os números revelam que Portugal gastou em Angola o dobro do que Angola investiu em Portugal nos sete primeiros meses de 2013. E é aqui que encontramos as maiores oscilações. Nos últimos seis anos, ambos os países têm vindo a reduzir estes fluxos. Em 2008, o ID de Angola em Portugal foi de 49,820 milhões de euros, atingindo um máximo de 341,192 milhões de euros em 2012 e um valor negativo de 102,842 milhões em 2011. Ao contrário, o ID de Portugal em Angola foi de 775,127 milhões em 2008, atingindo um máximo de 909,505 milhões em 2011 e um mínimo de 312,823 milhões de euros em 2012.
Olhando para a balança comercial, as exportações têm vindo a manter-se sensivelmente nos 2 mil milhões de euros desde 2008, atingindo o máximo de quase 3 mil milhões no ano passado. Se olharmos para a importações, elas subiram de 407,9 milhões de euros em 2008 para 1,781 mil milhões de euros em 2012. Este ano, entre Janeiro e Agosto, o valor atingia já os 2,071 mil milhões.
Cimeira em Fevereiro O Ministério dos Negócios Estrangeiros garantiu ao «i» que a primeira cimeira Portugal/Angola, prevista para Fevereiro, em Luanda, mantém-se como previsto e todos continuam a trabalhar para isso. Ironia ou não, o tema é o "Reforço da Coopeação Bilateral, Crescimento Económico e Desenvolvimento Sustentável". Também o Ministério das Relações Exteriores de Angola não tem qualquer informação que indique a alteração da data.
Apesar disso, algumas fontes contactadas pelo jornal acreditam que, numa posição de força, Angola poderá acabar por adiar o encontro, a menos que o governo português se empenhe na intensificação da actividade diplomática.
Uma das principais questões que se coloca é quem poderá resolver esta sucessão de acontecimentos que estão agora a travar o estreitamento das relações entre os dois países que, ainda há um ano, segundo o presidente da AICEP - Agência Para o Investimento e Comécio Externo de Portugal, Pedro Reis, estavam a atravessar o seu "momento mais alto".
O dedo aponta para o presidente da República, Cavaco Silva, amigo de longa data de José Eduardo dos Santos, com quem manteve sempre uma relação de extrema importância (tal como com o MPLA), ou para José Sócrates, "o primeiro socialista de quem os angolanos gostaram", como disse ao i um economista influente em Luanda.
Resta saber se um dos dois estará disponível para se expor ou se prefere enviar um representante de forma a serenar os ânimos e a prevenir eventuais entraves aos negócios entre Portugal e Angola.
Para Portugal, como para Angola, é importante manter a cimeira, na qual muitos depositavam esperanças a vários níveis. A primeira vitória seria a assinatura de um acordo de dupla tributação; ser o primeiro Estado a concluir um acordo desta natureza poderia posicionar Portugal como plataforma de investimento em Angola. Até porque há outros países na corrida, como a Holanda, que tem um argumento de peso, o faco de ser uma praça financeira com tradição internacional e holdings de todos quatro cantos do mundo disponíveis para investir no resto do globo.
Recentemente, o Fundo Monetário Internacional reviu em baixa o crescimento económico de Angola para 5,6% este ano e 6,3% em 2014 (contra 6,2% em 2013 e 7,3% em 2014).
A razão do abrandamento do crescimento face ao valor do ano passado (8,4%) prende-se essencialmente com os "atrasos na execução do orçamento", que não são, no entanto, nem quantificados nem especificados. De acordo com as previsões, a inflação vai desacelerar dos 10,3% registados em 2012 para 9,2% neste ano e 8,5% em 2014.
Angola tem 14 vezes e meia o tamanho de Portugal e perto de 18 milhões de habitantes,sendo que quase metade vive em Luanda - uma capital sobrelotada com um sistema de saneamento básico preparado para 600 mil pessoas.
Fonte: Jornal i