Cabinda, Angola, 4 jun (Lusa) - As Forças Armadas de Angola (FAA) mantêm forte presença militar na estrada entre a cidade de Cabinda e Buco-Zau, principal acesso ao norte da província angolana, onde um movimento que se considera uma das guerrilhas mais antigas da África reivindica a independência do enclave.
Os 120 quilômetros que separam a capital da província de Cabinda e Buco-Zau, percorridos pela Agência Lusa, permitem detectar vários sinais que apontam para a existência de uma realidade militar diferente das demais regiões de Angola.
O conflito que opôs as forças militares de MPLA (hoje no governo) e Unita (maior partido de oposição) durante quase 30 anos terminou em 2002. No entanto, a Frente de Libertação do Enclave de Cabinda - Forças Armadas Cabindesas (Flec-FAC) afirma que a guerra civil continua na província.
Saindo de Cabinda rumo ao norte, surge, ao longo de vários quilômetros, o chamado Malongo, onde estão instalações petrolíferas de empresas norte-americanas e da angolana Sonangol, tem sólida vedação metálica, arame farpado e avisos de que o local está minado.
Começam, então, a aparecer os primeiros acampamentos militares na margem da estrada, que são constantes até Buco-Zau e Belize, dois municípios no norte da província, que é separada do restante de Angola pela República Democrática do Congo.
Justificando o cenário militarizado estão os cíclicos ataques às guarnições das FAA e também a cidadãos estrangeiros que trabalham na região, reivindicados pelos guerrilheiros da Flec-FAC, simpatizantes do líder histórico N'zita Tiago.
Contrariando a caminhada política para acabar definitivamente com as ações de guerrilha em Cabinda, a Flec-FAC de N'Zita Tiago assume claramente a "continuação da guerra" contra Luanda.
Em 2003, Luanda deslocou um forte contingente militar para Cabinda com o objetivo de pôr fim aos ataques a quartéis e empregados de companhias estrangeiras, mas, passados cinco anos, esse objetivo "está longe de ser conseguido", segundo fonte próxima do grupo de Tiago.
Em agosto de 2006, o governo angolano e o Fórum Cabindês para o Diálogo (FCD) assinaram um memorando de entendimento para a paz e reconciliação de Cabinda, que sempre foi contestado por N'Zita Tiago.
O enclave de Cabinda tem 10 mil quilômetros quadrados, 300 mil habitantes e é responsável pela maior parte da produção petrolífera angolana, além de possuir outros recursos naturais, como reservas de ouro.
A média de 1,9 milhão de barris diários de petróleo produzidos em Cabinda permitiu a Angola se tornar, pela primeira, vez o maior produtor da África subsaariana.
Grito de tensão
Em comício em Cabinda, no domingo, o presidente da Unita, Isaías Samakuva, foi confrontado com um sinal de que a paz ainda é precária no enclave.
Samakuva, quando se referia à conquista da paz em Angola como instrumento fundamental para o desenvolvimento do país, ouviu, das centenas de presentes, o grito de que "Cabinda está em guerra".
Segundo fontes da sociedade civil cabindesa contatadas pela Lusa, esta foi a primeira vez em muitos anos que o povo de Cabinda expressou publicamente o sentimento nacionalista.
Na resposta, Isaías Samakuva, obrigado a tomar posição sobre a situação de Cabinda, deixou claro que, para o maior partido da oposição angolana, embora com presença minoritária no governo, Cabinda é parte de Angola.
Samakumava destacou, no entanto, que "a nação angolana é constituída por diversos povos com tradições e culturas específicas" e prometeu considerar as "especificidades" de Cabinda se a Unita vencer as eleições legislativas de setembro, se distanciando da posição do atual governo, para quem Angola é formada por "um só povo, uma só nação".
Falta paz social
Na visita a Cabinda - a primeira de um líder da Unita desde 1975 -, Isaías Samakuva defendeu que Angola já vive uma paz militar, mas "ainda falta ao país conquistar a paz social", que "só será realidade em Angola quando os cidadãos viverem com o mínimo de dignidade", com "acesso condigno a saúde, educação, habitação e emprego".
Samakuva questionou a forma como a receita gerada pelos recursos naturais, em especial petróleo, está sendo utilizada.
"O povo tem direito de saber para onde vai o dinheiro dos seus recursos naturais", disse o líder da oposição.
Samakuva afirmou ainda que, passados 33 anos da independência de Angola em relação a Portugal, "o povo vive pior do que no tempo do colonialismo".
Sem nomear o partido no governo, mas dando a entender que se dirigia ao MPLA, Samakuva afirmou que não vale a pena procurar os responsáveis pela guerra que assolou o país durante quase três décadas, porque, "se essa for a nossa preocupação, poderemos cair em outra guerra".
"Não queremos mais ouvir falar do passado, mas sim de soluções para o futuro", declarou no comício.
Caminho é diálogo
O general Zenga Mambo, líder do Movimento Popular de Libertação de Cabinda (MPLC), que abandonou a guerrilha na década de 1990, afirmou que a solução de Cabinda depende de uma alteração na forma como Luanda olha o enclave.
Zenga Mambo, que anunciou publicamente a extinção do MPLC durante a visita do líder da Unita, passando a apoiar o maior partido da oposição angolana, lembrou a legitimidade das aspirações do povo cabindês, mas admitiu que a metamorfose deve passar "pelo diálogo e pela ação política".
No mesmo tom, Agostinho Chicaia, dirigente associativo e ex-presidente da Mpalabanda, frisou a urgência de "refletir sobre a situação atual de Cabinda" e a "continuação da guerra" no enclave, porque "está claro que todas as soluções ensaiadas pelo governo de Angola fracassaram".
A razão para esse "fracasso" passa, segundo Chicaia, pela "ausência de diálogo" e o "não reconhecimento da nação cabindesa" pelo governo angolano.
Agostinho Chicaia admitiu que "o povo Binda" está atravessando o momento mais crítico de sua história" com as eleições legislativas de setembro, tendo em conta que esse momento vai "determinar o novo figurino político" de Cabinda.
Por um meio termo
O presidente da Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (Flec-Renovada), José Tibúrcio, disse que o grupo deseja "encontrar uma solução que responda a todas as partes", ao contrário da Flec - Forças Armadas de Cabinda (Flec-FAC), que se declara "em guerra" contra Luanda pela independência do território.
Em conversa com a Lusa na cidade de Cabinda, José Tibúrcio explicou que, "entre a independência e a dependência, é preciso encontrar um meio termo", porque a realidade do "mundo de hoje" aponta para a interdependência de povos e países e o "mais importante" é "dar resposta aos anseios" da população.
A Flec-Renovada deixou o FCD, ao qual pertencia com a Igreja Católica e a extinta associação Mpalabanda, após atrito com Bento Bembe, que presidia a organização e aceitou integrar o governo do presidente José Eduardo dos Santos, passando a assumir a posição oficial de que Cabinda é uma província pacificada.
Outro lado
Bento Bembe, que virou ministro sem pasta do governo de Luanda, garante que "não há guerra", mas reconhece que a população de Cabinda atravessa uma situação de "frustração" por causa da condição de "miséria" em que vive.
Em declarações à Agência Lusa, Bembe considerou "atos de banditismo" os ataques armados protagonizados contra os estrangeiros que vivem no território.
Também questionado pela Lusa sobre a realidade de Cabinda, o governador da província, Aníbal Rocha, defende que a "normalização da vida social e política" é fato com o plano especial do governo para a região.
Aníbal Rocha disse à Lusa que a visita do líder da Unita "é um exemplo e um reflexo dessa normalização".
No mesmo tom, o bispo de Cabinda, D. Filomeno Vieira Dias, disse que a atual situação em Cabinda aponta para uma realidade política e social em harmonia com as aspirações do povo e seu bem estar espiritual e social.
No entanto, a Igreja Católica de Cabinda vive, há vários anos, uma situação tensa dentro do clero. Os padres Jorge Casimiro Congo, que presidiu a Igreja de Cabinda até 2007, e Raul Tati, ex-vigário geral da diocese, foram suspensos recentemente por posicionamento distinto do assumido pelo bispado.
Vassalos
Em declarações à Lusa, Jorge Congo, na qualidade de membro da sociedade civil, defendeu que "em causa está a construção real de um povo" porque "os cabindeses", hoje, não são um povo".
"A realidade é que hoje ninguém dialoga conosco. Prendem-nos como querem, tomam as decisões como querem", disse Jorge Congo, para quem Cabinda "não vive em paz porque as pessoas são tratadas como coisas, [?] como vassalos".