quinta-feira, dezembro 25, 2008

ZP081225

ZENIT

O mundo visto de Roma

Serviço diario - 25 de dezembro de 2008



SANTA SÉ
Na noite de Natal, Papa se faz porta-voz das crianças
Espírito de Natal salvará a humanidade, diz Papa
Diante da crise, Bento XVI apresenta um Natal de solidariedade
Bento XVI prepara sua peregrinação à Terra Santa
Uma família ao redor do Papa no Natal

MUNDO
Natal em Belém: patriarca de Jerusalém pede reconciliação

ENTREVISTAS
A ONU e a ameaça aos direitos humanos

DOCUMENTAÇÃO
Mensagem de Natal de Bento XVI
Homilia de Bento XVI na noite de Natal

MENSAGEM AOS LEITORES
Zenit regressa em 1º de janeiro



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Santa Sé

Na noite de Natal, Papa se faz porta-voz das crianças

«Em cada criança há uma reverberação do menino de Belém»

CIDADE DO VATICANO, quinta-feira, 25 de dezembro de 2008 (ZENIT.org).- Bento XVI se fez porta-voz do sofrimento das crianças maltratadas em sua homilia pronunciada durante a Missa do Galo na basílica de São Pedro, no Vaticano.

Em um templo cheio de fiéis romanos e peregrinos dos cinco continentes, o pontífice dedicou sua homilia ao mistério do Natal. 

Deus desceu ao fazer-se criança, recordou, assumindo «inclusive até a miséria do estábulo, símbolo de toda necessidade e estado de abandono dos homens».

«Deus desce realmente. Torna-Se criança, colocando-Se na condição de dependência total, própria de um ser humano recém-nascido», assegurou. Entre aqueles que o escutavam, se encontravam na primeira fila os embaixadores acreditados na Santa Sé.

«O Criador que tudo sustenta nas suas mãos, de Quem todos nós dependemos, faz-Se pequeno e necessitado do amor humano. Deus está no curral»,  continuou meditando na missa, que começou à meia-noite.

Agora, para o Papa, esta contemplação do Natal implica importantes consequências para a atualidade.

«Em cada criança há uma reverberação do menino de Belém. Cada criança reclama nosso amor», constatou.

Por isso, convidou os fiéis a dirigirem seu pensamento àquelas «crianças a quem se nega o amor dos pais».

Recordou também os «meninos da rua que não têm o dom de um lar doméstico; nas crianças que são brutalmente usadas como soldados e feitas instrumentos da violência, em vez de poderem ser portadores da reconciliação e da paz».

Não esqueceu tampouco «as crianças que, através da indústria da pornografia e de todas as outras formas abomináveis de abuso, são feridas até ao fundo da sua alma».

O Menino de Belém, disse, continua convertendo-se também hoje em «um renovado apelo que nos é dirigido para fazermos tudo o que for possível a fim de que acabe a tribulação destas crianças; para fazermos tudo o que for possível a fim de que a luz de Belém toque os corações dos homens».

«Somente através da conversão dos corações, somente através de uma mudança no íntimo do homem se pode superar a causa de todo este mal, pode ser vencido o poder do maligno», assegurou.

E insistiu: «somente se mudarem os homens é que muda o mundo e, para os homens mudarem, precisam da luz que vem de Deus, daquela luz que de modo tão inesperado entrou na nossa noite».

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Espírito de Natal salvará a humanidade, diz Papa

Mensagem ao enviar a benção «urbi et orbi»

CIDADE DO VATICANO, quinta-feira, 25 de dezembro de 2008 (ZENIT.org).- Em sua mensagem de Natal, Bento XVI apresentou ao mundo a autêntica solidariedade que o Menino Jesus trouxe, pois do contrário o próprio futuro da humanidade ficaria em perigo.

«Se cada um pensar só nos próprios interesses, o mundo não poderá senão caminhar para a ruína», afirmou falando do balcão da basílica vaticana, antes de felicitar o mundo em 64 idiomas e de enviar a benção «urbi et orbi» (à cidade de Roma e ao mundo). 

Escutavam o Papa milhares de peregrinos que enchiam a praça de São Paulo em um meio-dia muito nublado. Milhões de pessoas pelo mundo seguiram o acontecimento pela televisão, rádio ou internet.

Sua mensagem se converteu em uma meditação sobre o mistério do Natal, à luz dos dramáticos acontecimentos da atualidade.

Pediu que brilhe a luz do Natal «e encoraje todos a fazerem a própria parte, com espírito de autêntica solidariedade.». Em particular, disse, «onde a dignidade e os direitos da pessoa humana são espezinhados; onde os egoísmos pessoais ou de grupo prevalecem sobre o bem comum».

Pediu que se leve a luz do Natal ali «onde se corre o risco de habituar-se ao ódio fratricida a à exploração do homem pelo homem; onde lutas internas dividem grupos e etnias e dilaceram a convivência».

Apresentou a mensagem de Natal ali «onde o terrorismo continua a percutir; onde falta o necessário para sobreviver; onde se olha com apreensão para um futuro que se vai tornando cada vez mais incerto, mesmo nas Nações do bem-estar».

O Papa implorou para que «a Luz divina de Belém se difunde pela Terra Santa, onde o horizonte parece tornar-se a fazer escuro para os israelitas e os palestinianos».

Que a mensagem do Natal, seguiu desejando, «se propague no Líbano, no Iraque e em todo o Oriente Médio».

«Torne fecundos os esforços de quantos não se resignam com a lógica perversa do conflito e da violência e privilegiam pelo contrário o caminho do diálogo e das negociações para se harmonizar as tensões internas nos diversos Países e encontras soluções justas e duradouras para os conflitos que atormentam a região».

Seu olhar se deteve de maneira particular no continente africano.

Em particular, se fez porta-voz dos habitantes do Zimbábue, «oprimidos há demasiado tempo por uma crise política e social que, infelizmente, continua a agravar-se, coma também os homens e as mulheres da República Democrática do Congo, especialmente na martirizada região do Kivu, do Darfour, no Sudão, e da Somália, cujos infindáveis sofrimentos são uma trágica consequência da falta de estabilidade e de paz».

A Luz do Menino Deus que traz no Natal, disse, «por esta Luz esperam sobretudo as crianças dos países referidos e de todo os outros em dificuldade, a fim de que seja devolvida a esperança ao seu futuro».

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Diante da crise, Bento XVI apresenta um Natal de solidariedade

Para que volte a difundir-se a esperança, deseja

CIDADE DO VATICANO, quinta-feira, 25 de dezembro de 2008 (ZENIT.org).- Em um Natal caracterizado pelo contexto social da crise econômica, Bento XVI pediu mais solidariedade entre famílias e comunidades. 

Foi a indicação que deixou após pronunciar sua mensagem de Natal do balcão da Basílica vaticana, ao começar sua felicitação em 64 idiomas. 

Começou falando em italiano para desejar que «a grande festa do nascimento de Cristo seja fonte de luz e confiança para a vida de todos».

«Em nosso tempo, caracterizado por uma considerável crise econômica, que o Natal possa ser uma ocasião para uma maior solidariedade entre as famílias e as comunidades», desejou.

«Que da pobre e humilde gruta de Belém se difunda por toda parte a luz da esperança evangélica e ressoe o anúncio de que ninguém é alheio ao amor do Redentor», desejou.

O Papa, que saudou em idiomas como o hebraico, aramaico, árabe, ou o guarani, acrescentou nesta ocasião uma saudação em islandês, a língua que se fala em um dos países do mundo mais afetados pela crise.

A resposta ao Papa das palavras em espanhol foram as mais barulhentas. Bandeiras mexicanas e espanholas deram cor ao encontro.

«Feliz Natal! Que a Paz de Cristo reine em vossos corações, nas famílias e em todos os povos», desejou o bispo de Roma em espanhol.

Em língua portuguesa, o pontífice disse: «Feliz Natal para todos, e que a Luz de Cristo Salvador ilumine os vossos corações de paz e de esperança».

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Bento XVI prepara sua peregrinação à Terra Santa

Abrindo espaço para a paz, em meio a novas ameaças

CIDADE DO VATICANO, quinta-feira, 25 de dezembro de 2008 (ZENIT.org).- Bento XVI, que deverá peregrinar à Terra Santa no próximo mês de maio, pediu repetidamente neste Natal pela paz nessa região. 

Durante a Missa do Galo, na Basílica de São Pedro, o pontífice dedicou uma passagem de sua homilia ao povo de Belém e ao país «no qual Jesus viveu e que tanto amou». 

«Roguemos para que ali se faça a paz – exortou –. Que cessem o ódio e a violência. Que se abra o caminho da compreensão recíproca, se produza uma abertura dos corações que abra as fronteiras».

«Que venha a paz que cantaram os anjos naquela noite», afirma.

Ao apresentar sua mensagem de Natal à imprensa, sua beatitude Fouad Twal, patriarca latino de Jerusalém, anunciou a intenção do Papa de visitar a Jordânia, Israel e os territórios palestinos no próximo mês de maio.

O pontífice voltou a falar da terra de Jesus durante sua mensagem natalina, pronunciada perante os milhares de peregrinos que enchiam a praça de São Pedro.

«Que a luz divina de Belém se difunda na Terra Santa, onde o horizonte parece voltar a escurecer para israelenses e palestinos», afirmou.

Pouco depois felicitava pelo Natal falando tanto em árabe como em hebraico.

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Uma família ao redor do Papa no Natal

Ambiente na praça de São Pedro durante a benção papal

CIDADE DO VATICANO, quinta-feira, 25 de dezembro de 2008 (ZENIT.org).- Os peregrinos respiraram um ar de família em torno do Papa Bento XVI quando ele pronunciou sua mensagem de Natal na praça de São Pedro. 

Grupos de escoteiros, religiosos, turistas, imigrantes ou romanos vestidos de festa se congregaram na praça de São Pedro sob um céu nublado esta manhã para receber a benção do pontífice enviada do balcão da basílica vaticana. 

A jovem mexicana Isabel Aguirre disse a Zenit que participar na benção «urbi et orbi» (à cidade de Roma e ao mundo)  é «uma experiência que nunca pensei viver».

A temperatura era agradável, cerca de dez graus, apesar das nuvens esconderem o sol.

«Sempre vivi este momento pela televisão e me comoveu ver de tão perto o vigário de Cristo na terra, estar tão perto de Deus: um homem de tanta oração, e tão inteirado do que acontece no mundo», explica a jovem acompanhada por outros peregrinos mexicanos que se destacaram pelo entusiasmo.

«Ao saudar-nos em tantos idiomas, fez da família católica uma grande família», acrescenta Isabel.

Também é mexicano o senhor José Romano, pai de um dos 49 sacerdotes legionários de Cristo (Francisco Javier) que foram ordenados em 20 de dezembro, e também é a primeira vez que podia viver o Natal junto do Papa.

«Nunca imaginei que podia ter pessoas de tantas nacionalidades», reconhece, confirmando esse sentido de pertença a uma família mundial, depois de ter vivido emoções únicas em sua vida, «desde a ordenação de meu filho até a benção do Papa».

Uma jovem, Loreta, do Chile, havia participado também da missa do Galo, presidida pelo Papa na Basílica de São Pedro.

Também ela pela primeira vez pôde vir a Roma no Natal e reconhece que «estar aqui transforma o ponto de vista. Não é como na televisão. Esta benção me chega muito profundamente porque estou grávida».

«Hoje se juntaram todas as emoções – reconhece –. Na missa, encantou-me a homilia, pois fala das crianças, de sua situação, e nos faz ver que Cristo é um Deus vigilante».

Quando o Papa saudou em espanhol, recebeu o aplauso mais sonoro. Loreta reconhece: «É lindo ver que os hispânicos são fortes dentro da Igreja».

Ao italiano Giovanni Daminelli o que mais tocou da mensagem natalina do Papa foi sua recordação do «sofrimento na África, porque ali há muita fome, e nós tentamos ajudar», diz, explicando seu compromisso voluntário.

O Papa pediu paz para o Zimbábue, a República Democrática do Congo, Sudão e Somália, «cuja interminável tribulação é uma trágica consequência da falta de estabilidade e de paz».

Uma religiosa espanhola, Mercedes, Escrava de Maria, vive em Roma há 18 anos e nunca perde este momento.

«É quase uma obrigação, uma experiência de graça, e agradeço porque há muitos que não podem vir», afirma.

«Deus veio ao nosso encontro e nos mostrou seu rosto, rico de graça e de misericórdia. Que sua vinda não seja em vão», disse o Papa para esta pequena família de mais de um bilhão de católicos do planeta.

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Mundo

Natal em Belém: patriarca de Jerusalém pede reconciliação

Missa de Natal presidida por sua beatitude Fouad Twal

BELÉM, quinta-feira, 25 de dezembro de 2008 (ZENIT.org).- No Natal mais festivo vivido por Belém nos últimos oito anos, sua beatitude Foaud Twal, patriarca latino de Jerusalém, pediu reconciliação para que a paz regresse à Terra Santa.

Na missa da noite de Natal na igreja franciscana de Santa Catarina, a poucos metros do lugar onde, segundo a tradição, Jesus nasceu, o patriarca de 68 anos, recentemente nomeado por Bento XVI, apresentou o perdão como mensagem cheia de atualidade que o Menino Deus deixa no final de 2008.

«As lágrimas das viúvas e das crianças se misturam com o ruído dos canhões e das armas, nos partem o coração e rompem o silêncio da Gruta e do Presépio», denunciou na homilia.

Na celebração eucarística participaram o presidente da Autoridade Palestina, Abu Mazen, e representantes muçulmanos e de outras confissões cristãs, assim como membros do corpo diplomático.

O entusiasmo geral, alentado pela maior afluência de peregrinos desde que começou a Intifada, em 2000, se via desafiado não muito longe pela violência que continuava em Gaza, a 70 quilômetros.

Enquanto em Belém se lançavam fogos de artifício, extremistas disparavam bombas contra comunidades israelenses, obrigando os residentes a buscar proteção em refúgios contra bombas.

O patriarca assegurou que o Menino Jesus vem trazer para a Terra Santa o presente mais urgente: «a paz, que perdemos e que nos resignamos a perder; a mútua caridade que já não existe, até o ponto de desaparecer inclusive de nosso vocabulário; o respeito e a dignidade que frequentemente foram escarnecidas pelos maus-tratos, os insultos e o sangue».

«Aquele que ensinou o amor, a justiça e a igualdade é capaz de fazer da pobre Gruta uma escola de reconciliação, onde os dirigentes e os responsáveis pelos destinos dos povos são instruídos sobre o sentido do bem, da justiça e da estabilidade», afirmou.

«A paz é um direito de todos os homens; também é a solução para todos os conflitos e todas as disputas. A guerra não produz a paz, e as prisões não garantem a estabilidade», assegurou.

«Os mais altos muros não trazem a segurança. Nem o agressor nem o agredido gozam de paz. A paz é um dom de Deus e só Deus proporciona esta paz», concluiu.

Segundo a Câmara do Comércio local, este ano, Belém teria recebido a visita de 1,2 milhão de pessoas, em sua maioria peregrinos.

Esta presença dá esperança e trabalho para os cristãos desta terra que, devido ao conflito, converteram-se entre 35 e 50% dos 40 mil habitantes da cidade. Há 50 anos, eles eram 90% da população local.

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Entrevistas

A ONU e a ameaça aos direitos humanos

Entrevista com mons. Michel Schooyans

Por Alexandre Ribeiro

SÃO PAULO, quinta-feira, 25 de dezembro de 2008 (ZENIT.org). - Quando se celebram os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a maior ameaça ao documento e aos princípios ali proclamados vem da própria entidade que deu vida ao texto: a ONU.

Neste mês de aniversário da Declaração de 1948, Zenit entrevistou mons. Michel Schooyans, renomado especialista em filosofia política e demografia.

Mons. Schooyans é membro da Pontifícia Academia para a Vida, da Pontifícia Academia das Ciências Sociais e professor emérito da Universidade de Lovaina (Bélgica).

–Fale-nos, por favor, do surgimento da Declaração de 1948.

–Mons. Michel Schooyans: A ONU foi criada em 1945 com a carta de São Francisco e, de certa forma, consolidada em 1948 com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Foi consolidada na base de uma missão essencial que é a promoção dos direitos de todo ser humano. Todo ser humano tem direito à vida, afirma o artigo terceiro da Declaração. O texto convida todos os homens, países, governantes a reconhecer a dignidade de cada ser humano, qualquer que seja a sua força, a cor da sua pele, a sua religião, idade. Todos merecemos ser reconhecidos simplesmente pelo fato de sermos homens. É sobre esta base, diz a Declaração, que vamos poder construir novas relações internacionais, uma sociedade de paz e de fraternidade.

Se houve a Guerra Mundial que terminou em 1945, é porque houve um desconhecimento da realidade desses seres humanos que, todos, têm direitos inalienáveis e imperecíveis. A Declaração situa-se na continuidade de todas as grandes declarações que marcaram a história política e jurídica das nações ocidentais. Por exemplo, a Declaração da Independência dos Estados Unidos, de 1776, a Constituição dos Estados Unidos de 1787, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da França, em 1789, são as declarações clássicas. A Declaração de 1948 se situa na tradição mais fiel àquelas Declarações que demonstraram a sua eficácia no campo do reconhecimento e da promoção dos direitos humanos. Esses direitos são reconhecidos em decorrência de uma atitude moral e antropológica. Eu reconheço a realidade do meu semelhante. Eu me inclino na sua presença. Reconheço a sua dignidade. Ainda que ele seja doente, esteja no início ou no final da sua vida, ele tem uma dignidade igual à  minha.

–Que tipo de documento é a Declaração de 1948?

–Mons. Michel Schooyans: A Declaração não é um documento de Direito no sentido técnico da palavra. O documento enuncia os direitos básicos. Mas para que esses direitos básicos sejam colocados em prática, eles necessitam de uma tradução em textos legais. Precisam ser codificados. Devem ser prolongados em instrumentos jurídicos apropriados, no que se chama o direito positivo. Isso significa que os direitos proclamados em 1948 devem se exprimir em leis que serão aplicadas pelos governos das nações e controladas pelo poder judicial. São, portanto, duas coisas: primeiro, o reconhecimento da realidade de seres humanos que têm a mesma dignidade e os mesmo direitos básicos, e, por outro lado, instrumentos jurídicos que dão uma forma concreta, exigível, àqueles direitos reconhecidos como fundamentais.

Quando se trata da Declaração de 1948, convém perceber que os mesmos direitos fundamentais podem dar lugar a codificações diferentes de acordo com as diversas tradições jurídicas dos países. As nações podem traduzir diferentemente o mesmo respeito que elas têm aos direitos fundamentais dos homens.

O que acabamos de evocar é o que se chama a tradição realista. Essa tradição se inclina frente à realidade de seres concretos: você, eu e a universalidade dos seres humanos. Essa mesma tradição comanda todo o edifício das nações democráticas, não só o edifício jurídico, mas o edifício político, que também se baseia no reconhecimento da igual dignidade. Agora, hoje em dia, a Declaração de 1948, que se inspira nítida e explicitamente na tradição realista, e que foi redigida com a colaboração de um dos brasileiros mais ilustres da história, Alceu Amoroso de Lima, está sendo contestada.

–Que tipo de contestação?

–Mons. Michel Schooyans: Uma contestação que vem da influência da teoria positivista do Direito, elaborada sobretudo por um autor chamado Kelsen (1881-1973). Sob a influência de Kelsen, propagou-se uma nova concepção do direito e, portanto, dos direitos humanos. Tudo o que a gente explicou a respeito dos direitos inatos do homem que, por ser homem, tem naturalmente direitos, é contestado. Tudo isso é negado, é colocado entre parênteses, é desprezado e esquecido. Só subsistem as normas jurídicas; só subsiste o direito positivo, barrando toda referência aos direitos que os homens têm naturalmente. Nesse contexto, as determinações jurídicas são a única coisa que merecem estudo e respeito. Agora esses ordenamentos jurídicos, essas disposições lavradas nos Códigos, podem mudar ao sabor de quem tem força para defini-las. São puro produto da vontade de quem tem poder, de quem consegue impor a sua visão do que seja tal ou tal direito humano. De modo que, como salta aos olhos, a visão puramente positivista dos direitos humanos depende finalmente do arbítrio de quem tem a possibilidade de impor a sua concepção própria dos  direitos humanos, já que não há mais nenhuma referência à verdade, concernente à realidade do homem.

–Quais as consequências?

–Mons. Michel Schooyans: São trágicas. O positivismo jurídico abriu e abre o caminho para todas as formas de ditadura. Como o próprio Kelsen dizia, na União Soviética de Stalin havia estado de direito, já que havia leis. Era um ditador, mas ele fazia a lei.  Mas que lei? A lei que era a expressão da  vontade dele, da brutalidade dele. Não tinha referência a direitos que seriam naturais, que seriam objeto de uma verdade à qual a gente adere e que se impõe pelo seu fulgor. A lei no tempo de Stalin era reflexo da vontade do mais forte. Hoje em dia, a lei que permite o aborto, que permite a eutanásia, não é outra coisa. É uma lei que permite que vença a força do mais forte, que diz: já que tal é a minha vontade, nós vamos decidir quem pode ser admitido à existência e quem não pode.

Essa mentalidade entrou em várias agências da ONU. E a ONU hoje em dia está se comportando como uma superpotência global, transnacional, na linha exata de Kelsen. Ele mesmo diz que as leis nacionais, as que conhecemos nos nossos Códigos nacionais, devem ser submetidas à aprovação, validação, de um centro  de poder piramidal. A validez das leis nacionais depende da validade outorgada, concedida pelo poder supranacional aos códigos nacionais, particulares. Isso significa que as nações ficam totalmente alienadas da sua soberania e os seres humanos de sua autonomia. A gente observa isso todos os dias, nas discussões parlamentares. Muitos parlamentos são simplesmente teatros de marionetes que executam determinações vindo de fora, cumprem a vontade de quem impõe suas decisões, eventualmente comprando os votos, através da corrupção.

Isso tudo se passa sob o simulacro da globalização, que merece muito a nossa vigilância. É que, na mentalidade de quem adere a essa concepção puramente positivista do direito, a lei não está a serviço dos homens e da comunidade humana; está apenas a serviço deste ou daquele centro de poder. Este pode ser uma nação como os Estados Unidos, mas pode ser sobretudo a trama das vontades que se aglomeram nas Nações Unidas, apoiadas por numerosas ONGs, e também por algumas sociedades secretas, como a maçonaria. Isso mostra que hoje em dia o direito internacional tende a prevalecer sobre os direitos nacionais, a esmagá-los, pois estão sendo aos poucos desativados. É uma coisa terrível! Estamos assistindo à emergência de um direito internacional tirânico porque puramente positivista, ignorando os direitos humanos inalienáveis proclamados em 1948. E a gente não percebe...

–Um novo tipo de totalitarismo?

–Mons. Michel Schooyans: Sim, porque daqui em diante a soberania das nações é pura fachada. Kelsen explica muito bem isso: o direito internacional, que dita sua lei às nações, deve ser ele mesmo validado, aprovado, pelo topo da pirâmide, pela instância suprema. Vejamos um exemplo: no momento em que estamos falando, há uma discussão na sede das Nações Unidas sobre a introdução ou não do aborto como “novo direito humano”. Seria uma nova versão da Declaração de 1948. Uma modificação calamitosa porque introduziria sub-repticiamente um princípio puramente positivo numa declaração que é antropológica e moral. Ali se colocaria também o direito à eutanásia. Restaria às nações particulares ratificar estes “novos direitos humanos” emanando da instância suprema. Isso significa que, como a referência aos direitos naturais dos homens já teria sido desativada, essa nova Declaração se tornaria um documento de direito puramente positivo, que deveria ser aplicado por todas as nações que aderissem ao novo texto da Declaração ou a algum outro documento similar.

É uma coisa pavorosa o que está quase acontecendo. E vai mais longe. A Corte Penal Internacional, que foi instituída há alguns anos, vai ter como área de competência julgar as nações ou as entidades que se recusarem a reconhecer esses “novos direitos” inventados ou a serem inventados. A Igreja Católica é um dos alvos possíveis dessa Corte Internacional. Já houve quem dissesse há anos que o Papa João Paulo II poderia ter sido intimado a comparecer no Tribunal Internacional por se opor a um “novo direito”, o “direito” da mulher ao aborto. Ameaça semelhante paira sobre Bento XVI. E no domínio da educação é a mesma coisa com a ideologia do gênero. Em virtude de um “novo direito humano”, as pessoas escolheriam o seu gênero, poderiam mudar de gênero. Então o gênero deve ser ensinado nas escolas. É doutrinação ideológica em grande escala, a ponto de quem não subscrever a essa ideologia ser passível de punição por uma corte internacional.

–Discute-se então uma alteração do texto da Declaração?

–Mons. Michel Schooyans: A Declaração de 1948 enuncia princípios fundamentais. São verdades primeiras, fundadoras. Nós reconhecemos esse fato, que o ser humano tem naturalmente direito à vida, à liberdade, à propriedade, a se casar, a se associar, a se exprimir livremente e que tudo isso não decorre da vontade arbitrária dos homens. Mesmo antes de entrar numa sociedade política, organizada, o homem já tem direitos humanos fundamentais. E os direitos precedem a lei. Mas o homem precisa que a sociedade se organize para que esses direitos sejam aplicados, respeitados e que, eventualmente, as infrações sejam reprimidas. Tudo isso está sendo questionado atualmente. Circulam abaixo-assinados. Há um abaixo-assinado a favor do aborto e outro contra. Mas os que mais alto gritam são os partidários da introdução de uma modificação da Declaração de 1948 que alteraria a natureza da Declaração, bem como da própria ONU.

–Isso é fruto unicamente da manipulação do poder ou também de um ‘obscurecimento das consciências’, utilizando uma expressão de Bento XVI?

–Mons. Michel Schooyans: Bento XVI tem motivos dos mais sólidos para insistir no papel e na nobreza da razão. Tudo o que acabamos de discutir são problemas de antropologia e de moral natural. Note-se que a defesa do ser humano não é um privilégio da Igreja; faz parte do patrimônio das grandes tradições morais da humanidade. A necessidade de defender o homem, de reconhecer a dignidade do homem é uma coisa à qual a gente tem acesso através do uso correto da razão. Infelizmente estamos assistindo a uma espécie de perversão da própria razão. A razão é utilizada para ser levada a certas armadilhas dela mesma. O homem é capaz de ser manipulado; é capaz de ser dominado. Em português há uma expressão muito bonita, ao que parece usada no candomblé, para dizer isso: a gente pode ‘fazer a cabeça’ de alguém. É exatamente isso. A razão de um indivíduo ou de um povo pode ser desconectada. E você pode encher a cabeça de alguém com idéias completamente malucas. É o caso do aborto e da eutanásia.

Na Bélgica, o aborto foi criminalizado pela lei em 1867. Quem mandou aprovar essa lei não eram os católicos, mas sim os liberais, que, naquela época, eram mais de tendência maçônica, como até hoje, aliás. Foram eles que fizeram essa lei. Os católicos aprovaram, mas a iniciativa veio dos liberais, então maioritários. Quer dizer que a razão funcionava. A razão deles tinha descoberto que era evidente que o ser humano devia ser protegido antes do nascimento. É uma questão de razão. Os tempos mudaram. Pode-se alterar a capacidade de raciocínio. Hoje assistimos a várias manobras que vão nesse sentido. Há os casos de aborto, de eutanásia, do gênero. Há o problema da homossexualidade: há 30 anos, quem teria pensado em promover um “novo direito” à homossexualidade? A razão humana é capaz de genialidade, mas é também uma faculdade delicada, vulnerável, frágil, uma faculdade que pode ser desmobilizada, hibernada. A pior forma de escravidão é a escravidão mental, a escravidão da razão, que comporta um brinde: o naufrágio da fé, porque não há ato de fé que não seja razoável. Então se você entra naquela confusão mental de dizer que o aborto é um direito, a eutanásia é um direito, você entra num processo que acaba corrompendo não só a sua razão, mas também a sua fé.

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Documentação

Mensagem de Natal de Bento XVI

"Procuremos Jesus, deixemo-nos atrair pela sua luz, que dissipa a tristeza e o medo"

CIDADE DO VATICANO, quinta-feira, 25 de dezembro de 2008 (ZENIT.org).- Publicamos a mensagem de Natal que Bento XVI pronunciou ao meio-dia desta quinta-feira, do balcão da fachada da basílica vaticana, diante de milhares de peregrinos congregados na praça de São Pedro.

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«Apparuit gratia Dei Salvatoris nostri omnibus hominibus» (Tt 2, 11).

Amados irmãos e irmãs, com as palavras do apóstolo Paulo renovo o jubiloso anúncio do Natal de Cristo: sim, hoje, «manifestou-se a todos os homens a graça de Deus, nosso Salvador»!

Manifestou-se! Isto é o que a Igreja hoje celebra. A graça de Deus, rica em bondade e ternura, já não está escondida, mas «manifestou-se», manifestou-se na carne, mostrou o seu rosto. Onde? Em Belém. Quando? Sob César Augusto, durante o primeiro recenseamento a que alude também o evangelista Lucas. E quem é o revelador? Um recém-nascido, o Filho da Virgem Maria. N'Ele manifestou-se a graça de Deus, Salvador nosso. Por isso, aquele Menino chama-Se Jehoshua, Jesus, que significa «Deus salva».

A graça de Deus manifestou-se: eis o motivo por que o Natal é festa de luz. Não uma luz total, como aquela que envolve todas as coisas em pleno dia, mas um clarão que se acende na noite e se difunde a partir de um ponto concreto do universo: da gruta de Belém, onde o Deus Menino «veio à luz». Na realidade, é Ele a própria luz que se propaga, como aparece bem representado em muitos quadros da Natividade. Ele é a luz, que, ao manifestar-se, rompe a bruma, dissipa as trevas e nos permite compreender o sentido e o valor da nossa existência e da história. Cada presépio é um convite simples e eloquente a abrir o coração e a mente ao mistério da vida. É um encontro com a Vida imortal, que Se fez mortal na mística cena do Natal; uma cena que podemos admirar também aqui, nesta Praça, tal como em inumeráveis igrejas e capelas do mundo inteiro e em toda a casa onde é adorado o nome de Jesus.

A graça de Deus manifestou-se a todos os homens. Sim, Jesus, o rosto do próprio Deus-que-salva, não Se manifestou somente para poucos, para alguns, mas para todos. É verdade que, no casebre humilde e pobre de Belém, poucas pessoas O encontraram, mas Ele veio para todos: judeus e pagãos, ricos e pobres, de perto e de longe, crentes e não crentes… todos. A graça sobrenatural, por vontade de Deus, destina-se a toda a criatura. Mas é preciso que o ser humano a acolha, pronuncie o seu «sim», como Maria, para o coração seja iluminado por um raio daquela luz divina. Os que acolheram o Verbo encarnado, naquela noite, foram Maria e José, que O esperavam com amor, e os pastores, que vigiavam durante a noite (cf. Lc 2, 1-20). Foi, portanto, uma pequena comunidade que acorreu a adorar Jesus Menino; uma pequena comunidade que representa a Igreja e todos os homens de boa vontade. Também hoje, aqueles que na vida O esperam e procuram, encontram Deus que por amor Se fez nosso irmão; quantos têm o coração voltado para Ele, desejam conhecer o seu rosto e contribuir para instaurar o seu reino. Di-lo-á o próprio Jesus na sua pregação: são os pobres em espírito, os aflitos, os mansos, os famintos de justiça, os misericordiosos, os puros de coração, os obreiros da paz, os perseguidos por causa da justiça (cf. Mt 5, 3-10). Estes reconhecem em Jesus o rosto de Deus e regressam, como os pastores de Belém, renovados no coração pela alegria do seu amor.

Irmãos e irmãs que me escutais, a todos os homens se destina o anúncio de esperança que constitui o coração da mensagem de Natal. Para todos nasceu Jesus e, como em Belém Maria O ofereceu aos pastores, neste dia a Igreja apresenta-O à humanidade inteira, para que toda a pessoa e cada situação humana possa experimentar a força da graça salvadora de Deus, a única que pode transformar o mal em bem, a única que pode mudar o coração do homem e torná-lo um «oásis» de paz.

Possam experimentar a força da graça salvadora de Deus as numerosas populações que vivem ainda nas trevas e nas sombras da morte (cf.Lc 1, 79). Que a Luz divina de Belém se difunde pela Terra Santa, onde o horizonte parece tornar-se a fazer escuro para os israelitas e os palestinianos, difunda-se pelo Líbano, o Iraque e todo o Médio Oriente. Torne fecundos os esforços de quantos não se resignam com a lógica perversa do conflito e da violência e privilegiam pelo contrário o caminho do diálogo e das negociações para se harmonizar as tensões internas nos diversos Países e encontras soluções justas e duradouras para os conflitos que atormentam a região. Por esta Luz que transforma e renova, anelam os habitantes do Zimbábue, em África, oprimidos há demasiado tempo por uma crise política e social que, infelizmente, continua a agravar-se, coma também os homens e as mulheres da República Democrática do Congo, especialmente na martirizada região do Kivu, do Darfour, no Sudão, e da Somália, cujos infindáveis sofrimentos são uma trágica consequência da falta de estabilidade e de paz. Por esta Luz esperam sobretudo as crianças dos países referidos e de todo os outros em dificuldade, a fim de que seja devolvida a esperança ao seu futuro.

Onde a dignidade e os direitos da pessoa humana são espezinhados; onde os egoísmos pessoais ou de grupo prevalecem sobre o bem comum; onde se corre o risco de habituar-se ao ódio fratricida a à exploração do homem pelo homem; onde lutas internas dividem grupos e etnias e dilaceram a convivência; onde o terrorismo continua a percutir; onde falta o necessário para sobreviver; onde se olha com apreensão para um futuro que se vai tornando cada vez mais incerto, mesmo nas Nações do bem-estar: lá resplandeça a Luz do Natal e encoraje todos a fazerem a própria parte, com espírito de autêntica solidariedade. Se cada um pensar só nos próprios interesses, o mundo não poderá senão caminhar para a ruína.

Amados irmãos e irmãs, hoje «manifestou-se a graça de Deus Salvador» (cf. Tt 2, 11), neste nosso mundo, com as suas potencialidades e as suas debilidades, os seus progressos e as suas crises, com as suas esperanças e as suas angústias. Hoje refulge a luz de Jesus Cristo, Filho do Altíssimo e filho da Virgem Maria: «Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro. Por nós, homens, e para nossa salvação desceu dos Céus». Adoramo-Lo hoje, em cada ângulo da terra, envolvido em faixas e reclinado numa pobre manjedoura. Adoramo-Lo em silêncio enquanto Ele, ainda infante, parece dizer-nos para nossa consolação: não tenhais medo, «Eu sou Deus e não há outro» (Is 45, 22). Vinde a Mim, homens e mulheres, povos e nações. Vinde a Mim, não temais! Vim trazer-vos o amor do Pai, mostrar-vos o caminho da paz.

Vamos, pois, irmãos! Apressemo-nos, como os pastores na noite de Belém. Deus veio ao nosso encontro e mostrou-nos o seu rosto, rico em misericórdia! A sua graça não seja vã para nós! Procuremos Jesus, deixemo-nos atrair pela sua luz, que dissipa a tristeza e o medo do coração do homem; aproximemo-nos com confiança; com humildade, prostremo-nos para O adorar. Feliz Natal para todos!


[Tradução do original italiano distribuída pela Santa Sé

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Homilia de Bento XVI na noite de Natal

"Sim, Senhor, fazei-nos ver algo do esplendor da vossa glória. E dai a paz à terra"

CIDADE DO VATICANO, quinta-feira, 25 de dezembro de 2008 (ZENIT.org).- Publicamos a homilia que Bento XVI pronunciou durante a Missa da noite de Natal, na Basílica de São Pedro, no Vaticano.

* * *


«Quem se compara ao Senhor, nosso Deus, que tem o seu trono nas alturas e Se inclina lá do alto a olhar os céus e a terra?» Assim canta Israel num dos seus Salmos (113/112, 5s.), onde exalta simultaneamente a grandeza de Deus e sua benigna proximidade dos homens. Deus habita nas alturas, mas inclina-Se para baixo… Deus é imensamente grande e está incomparavelmente acima de nós. Esta é a primeira experiência do homem. A distância parece infinita. O Criador do universo, Aquele que tudo guia, está muito longe de nós: assim parece ao início. Mas depois vem a experiência surpreendente: Aquele que não é comparável a ninguém, que «está sentado nas alturas», Ele olha para baixo. Inclina-se para baixo. Ele vê-nos a nós, e vê-me a mim. Este olhar de Deus para baixo é mais do que um olhar lá das alturas. O olhar de Deus é um agir. O facto de Ele me ver, me olhar, transforma-me a mim e o mundo ao meu redor. Por isso logo a seguir diz o Salmo: «Levanta o pobre da miséria…» Com o seu olhar para baixo, Ele levanta-me, toma-me benignamente pela mão e ajuda-me, a mim próprio, a subir de baixo para as alturas. «Deus inclina-Se». Esta é uma palavra profética; e, na noite de Belém, adquiriu um significado completamente novo. O inclinar-Se de Deus assumiu um realismo inaudito, antes inimaginável. Ele inclina-Se: desce, Ele mesmo, como criança na miséria do curral, símbolo de toda a necessidade e estado de abandono dos homens. Deus desce realmente. Torna-Se criança, colocando-Se na condição de dependência total, própria de um ser humano recém-nascido. O Criador que tudo sustenta nas suas mãos, de Quem todos nós dependemos, faz-Se pequeno e necessitado do amor humano. Deus está no curral. No Antigo Testamento, o templo era considerado quase como o estrado dos pés de Deus; a arca santa, como o lugar onde Ele estava misteriosamente presente no meio dos homens. Deste modo sabia-se que sobre o templo, escondida, estava a nuvem da glória de Deus. Agora, está sobre o curral. Deus está na nuvem da miséria de uma criança sem lugar na hospedaria: que nuvem impenetrável e, no entanto, nuvem da glória! De facto, de que modo poderia aparecer maior e mais pura a sua predilecção pelo homem, a sua solicitude por ele? A nuvem do encobrimento, da pobreza da criança totalmente necessitada do amor, é ao mesmo tempo a nuvem da glória. É que nada pode ser mais sublime e maior do que o amor que assim se inclina, desce, se torna dependente. A glória do verdadeiro Deus torna-se visível quando se abrem os nossos olhos do coração diante do curral de Belém.

A narração do Natal feita por São Lucas, que acabámos de ouvir no texto evangélico, conta-nos que Deus levantou um pouco o véu do seu encobrimento primeiro diante de pessoas de condição muito humilde, diante de pessoas que habitualmente eram desprezadas na grande sociedade: diante dos pastores que, nos campos ao redor de Belém, guardavam os animais. Lucas diz-nos que estas pessoas «velavam». Nisto podemos ouvir ressoar um motivo central da mensagem de Jesus, na qual volta, repetidamente e com crescente urgência até ao Jardim das Oliveiras, o convite à vigilância, a permanecer acordados para nos darmos conta da vinda do Senhor e estarmos preparados para ela. Por isso, também aqui talvez a palavra signifique algo mais do que o simples estar externamente acordados durante as horas nocturnas. Eram pessoas verdadeiramente vigilantes, nas quais estava vivo o sentido de Deus e da sua proximidade; pessoas que estavam à espera de Deus e não se resignavam com o aparente afastamento d’Ele na vida de cada dia. A um coração vigilante pode ser dirigida a mensagem da grande alegria: esta noite nasceu para vós o Salvador. Só o coração vigilante é capaz de crer na mensagem. Só o coração vigilante pode incutir a coragem de pôr-se a caminho para encontrar Deus nas condições de uma criança no curral. Peçamos ao Senhor para que nos ajude, a nós também, a tornarmo-nos pessoas vigilantes.

São Lucas narra-nos ainda que os próprios pastores ficaram «envolvidos» pela glória de Deus, pela nuvem de luz, encontravam-se dentro do resplendor desta glória. Envolvidos pela nuvem santa ouvem o cântico de louvor dos anjos: «Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na terra aos homens por Ele amados». E quem são estes homens por Ele amados senão os pequenos, os vigilantes, aqueles que estão à espera, esperam na bondade de Deus e procuram-No olhando para Ele de longe?

Nos Padres da Igreja, é possível encontrar um comentário surpreendente ao cântico com que os anjos saúdam o Redentor. Até àquele momento – dizem os Padres – os anjos tinham conhecido Deus na grandeza do universo, na lógica e na beleza do cosmos que provêm d’Ele e O reflectem. Tinham acolhido por assim dizer o cântico de louvor mudo da criação e tinham-no transformado em música do céu. Mas agora acontecera um facto novo, até mesmo assombroso para eles. Aquele de quem fala o universo, o próprio Deus que tudo sustenta e traz na sua mão, Ele mesmo entrara na história dos homens, tornara-Se um que age e sofre na história. Do jubiloso assombro suscitado por este facto inconcebível, por esta segunda e nova maneira em que Deus Se manifestara – dizem os Padres – nasceu um cântico novo, tendo o Evangelho de Natal conservado uma estrofe para nós: «Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na terra aos homens». Talvez se possa dizer, segundo a estrutura da poesia hebraica, que este versículo nas suas duas frases diz fundamentalmente a mesma coisa, mas duma perspectiva diversa. A glória de Deus está no alto dos céus, mas esta sublimidade de Deus encontra-se agora no curral, aquilo que era humilde tornou-se sublime. A sua glória está sobre a terra, é a glória da humildade e do amor. Mais ainda: a glória de Deus é a paz. Onde está Ele, lá está a paz. Ele está lá onde os homens não querem fazer, de modo autónomo, da terra o paraíso, servindo-se para tal fim da violência. Ele está com as pessoas de coração vigilante; com os humildes e com aqueles que correspondem à sua elevação, à elevação da humildade e do amor. A estes dá a sua paz, para que, por meio deles, entre a paz neste mundo.

O teólogo medieval Guilherme de S. Thierry disse uma vez: Deus viu, a partir de Adão, que a sua grandeza suscitava no homem resistência; que o homem se sente limitado no ser ele próprio e ameaçado na sua liberdade. Portanto Deus escolheu um caminho novo. Tornou-Se um Menino. Tornou-Se dependente e frágil, necessitado do nosso amor. Agora – diz-nos aquele Deus que Se fez Menino – já não podeis ter medo de Mim, agora podeis apenas amar-Me.

É com tais pensamentos que, esta noite, nos aproximamos do Menino de Belém, daquele Deus que por nós quis fazer-Se criança. Em cada criança, há o revérbero do Menino de Belém. Cada criança pede o nosso amor. Pensemos, pois, nesta noite de modo particular também naquelas crianças às quais é recusado o amor dos pais; nos meninos da rua que não têm o dom de um lar doméstico; nas crianças que são brutalmente usadas como soldados e feitas instrumentos da violência, em vez de poderem ser portadores da reconciliação e da paz; nas crianças que, através da indústria da pornografia e de todas as outras formas abomináveis de abuso, são feridas até ao fundo da sua alma. O Menino de Belém é um renovado apelo que nos é dirigido para fazermos tudo o que for possível a fim de que acabe a tribulação destas crianças; para fazermos tudo o que for possível a fim de que a luz de Belém toque os corações dos homens. Somente através da conversão dos corações, somente através de uma mudança no íntimo do homem se pode superar a causa de todo este mal, pode ser vencido o poder do maligno. Somente se mudarem os homens é que muda o mundo e, para os homens mudarem, precisam da luz que vem de Deus, daquela luz que de modo tão inesperado entrou na nossa noite.

E falando do Menino de Belém, pensemos também na localidade que responde ao nome de Belém; pensemos naquela terra onde Jesus viveu e que Ele amou profundamente. E peçamos para que lá se crie a paz. Que cessem o ódio e a violência. Que desperte a compreensão recíproca, se realize uma abertura dos corações que abra as fronteiras. Que desça a paz que os anjos cantaram naquela noite.

NoSalmo 96/95, Israel e, com ele, a Igreja louvam a grandeza de Deus que se manifesta na criação. Todas as criatura são chamadas a aderir a este cântico de louvor, encontrando-se lá também este convite: «Alegrem-se as árvores da floresta, diante do Senhor que vem» (12s.). A Igreja lê este Salmo também como um profecia e simultaneamente uma missão. A vinda de Deus a Belém foi silenciosa. Somente os pastores que velavam foram por uns momentos envolvidos no esplendor luminoso da sua chegada e puderam ouvir uma parte daquele cântico novo que brotara da maravilha e da alegria dos anjos pela vinda de Deus. Esta vinda silenciosa da glória de Deus continua através dos séculos. Onde há fé, onde a sua palavra é anunciada e escutada, Deus reúne os homens e dá-Se-lhes no seu Corpo, transforma-os no seu Corpo. Ele «vem». E assim desperta o coração dos homens. O cântico novo dos anjos torna-se cântico dos homens que, ao longo de todos os séculos, de forma sempre nova cantam a vinda de Deus como Menino e, a partir do seu íntimo, tornam-se felizes. E as árvores da floresta vão até Ele e exultam. A árvore na Praça de São Pedro fala d’Ele, quer transmitir o seu esplendor e dizer: Sim, Ele veio e as árvores da floresta aclamam-No. As árvores nas cidades e nas casas deveriam ser algo mais do que um costume natalício: indicam Aquele que é a razão da nossa alegria – o próprio Deus que por nós Se fez menino. O cântico de louvor, no mais fundo, fala enfim d’Aquele que é a própria árvore da vida reencontrada. Pela fé n’Ele, recebemos a vida. No sacramento da Eucaristia, dá-Se a nós: dá uma vida que chega até à eternidade. Nesta hora, juntamo-nos ao cântico de louvor da criação e o nosso louvor é ao mesmo tempo uma oração: Sim, Senhor, fazei-nos ver algo do esplendor da vossa glória. E dai a paz à terra. Tornai-nos homens e mulheres da vossa paz. Amen.

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Mensagem aos leitores

Zenit regressa em 1º de janeiro

ROMA, quinta-feira, 25 de dezembro de 2008 (ZENIT.org).- Por ocasião do Natal, a redação de Zenit desfrutará de alguns dias de descanso. Nosso serviço informativo retornará no dia 1º de janeiro, Jornada Mundial da Paz. A todos os nossos amigos leitores desejamos um feliz Natal. 

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