Luanda - O escritor Pepetela, Prémio Camões 1997, defende que o Estado angolano “tem que fazer uma grande homenagem” ao escritor angolano Ruy Duarte de Carvalho, “homem de várias facetas”, falecido em agosto passado na República da Namíbia.
Artur Pestana “Pepetela” foi moderador, terça-feira em Luanda, da apresentação do livro “O Que Não Ficou Por Dizer”, textos inéditos de Ruy Duarte de Carvalho, uma cerimónia assistida por amigos e familiares do autor e marcada pela ausência de membros do Estado angolano.
A apresentação de “O Que Não Ficou Por Dizer”, uma organização de Nuno Vidal, docente da Universidade e Coimbra, insere-se nas actividades de comemoração do 22.º aniversário da Associação Chá de Caxinde, que elegeu Ruy Duarte de Carvalho, sócio da organização, para homenagear.
Em declarações à Agência Lusa, Pepetela referiu que “a grande homenagem ainda não foi feita”, defendendo que é o Estado angolano que terá de fazê-la.
Relativamente à obra, composta por uma autobiografia, uma entrevista, três ensaios e uma palestra, Pepetela disse que se tratam de textos muito recentes, “os últimos que ele escreveu antes de falecer”.
Pepetela destacou o “papel muito importante de Ruy Duarte de Carvalho para Angola”, que será ainda mais reconhecido daqui há uns anos.
“Alguns já conseguem fazê-lo hoje, mas muita gente ainda não”, disse Pepetela justificando com a antecipação por Ruy Duarte de Carvalho de "uma série de fenómenos, de ideias-chave, para a sociedade angolana, e não só, que podem ser usadas para o desenvolvimento”.
“O tal desenvolvimento que se fala tanto e que muitas vezes são imposições de fora, ele, exatamente ao contrário, defendia que o desenvolvimento tinha que partir de dentro e muitas vezes, indo buscar a sua importância naquilo que é tradição, esse aspeto que é fundamental numa política de desenvolvimento autosustentado”, salientou.
O prémio Camões 1997 caracterizou Ruy Duarte de Carvalho como um homem solitário, “mas não só”, característica bem representada na contracapa do livro, com uma imagem do autor caminhando no deserto.
“Sem dúvida alguma, ele era um homem do deserto e a contracapa representa bem, mas também era uma pessoa sociável, gostava de estar com os amigos e falar desbocadamente, sem preocupações e sem constrangimentos, não era um homem só, tinha muita gente por trás e escrevia para muita gente, que estavam sempre no seu pensamento”, acrescentou Pepetela.
Uma outra faceta de Ruy Duarte de Carvalho, praticamente desconhecida por muitos, foi dada a conhecer durante a homenagem ao autor, com uma exposição de 13 aguarelas sobre a cidade de Luanda, intitulada “Rendição do celibatário II – Hotel Globo”.
Em declarações à Lusa, um dos mais conhecidos pintores angolanos, António Ole, considerou “notáveis” as aguarelas de Ruy Duarte de Carvalho, trabalhos que o artista defendeu “devem ser revelados internacionalmente”.
“A qualidade é exemplar, as tonalidades com que o Ruy usava, a delicadeza com que ele pintava essas aguarelas, era de facto notável, e isto era um trabalho que ninguém previa, mas na sua solidão, nos seus retiros ele foi pintando aos poucos e deixou-nos um legado extraordinariamente interessante”, considerou António Ole.
Segundo António Ole, no futuro deve ser estruturada uma exposição mais abrangente, com desenhos, ilustrações para livros, em capitais lusófonas, particularmente Lisboa, Rio de Janeiro e São Paulo, lugares onde o autor era “extremamente conhecido”.
Ruy Duarte de Carvalho nasceu em 1941 em Santarém, e em 1983 tornou-se cidadão angolano. Doutorado em antropologia, foi professor universitário.
A atividade artística dividiu-se pela literatura, cinema e pintura, sempre marcada pela antropologia. Publicou vários livros de poesia “Chão de Oferta (1972)”, “A decisão da Idade (1976)”, “Observação Directa (2000)” e “Lavra” uma reunião de poemas escritos entre 1970 e 2000.
“Como se o Mundo não Tivesse Leste (1977)”, “Vou lá Visitar Pastores (1999)”, “Os Papéis do Inglês (2000)” estão entre as mais importantes obras publicadas por Ruy Duarte de Carvalho.
NME/Lusa
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