Em entrevista exclusiva ao Jornal de Angola, o ministro dos Petróleos Botelho de Vasconcelos revelou que o país deve elevar a sua produção para dois milhões de barris por dia, até 2014. Além dos projectos do sector e das medidas do Executivo angolano no sentido de potenciar a indústria petrolífera, respeitando o ambiente, Botelho de Vasconcelos, que já liderou a OPEP, falou um pouco da organização e dos meandros do mercado petrolífero mundial.
Jornal de Angola – A OPEP projectou um cenário incerto para o mercado da matéria-prima, com base no risco de instabilidade, decorrente das fracas perspectivas para a economia mundial. Qual é a sua visão em relação a isso?
Botelho de Vasconcelos – Ao longo de 2011, pudemos constatar alguma volatilidade no preço do petróleo. Isso foi resultado da crise nos países ocidentais, particularmente dos membros da OCDE. Houve também a questão das tensões políticas no Médio Oriente, mas a partir do segundo semestre verificámos que o preço do petróleo estava entre 110 e 112 dólares o barril e continuamos a constatar esse nível de preços. Sentimos que nos dois dias da nossa reunião, em Dezembro, houve uma quebra do preço do petróleo, chegando a atingir cerca de 103 dólares por barril. Mas podemos dizer que, a nível das ramas angolanas, podemos atingir como média do ano entre 105 e 110 dólares por barril.
JA – O crescimento da procura está agora previsto em 1,1 milhões de barris por dia, em 2012, abaixo da estimativa anterior de 1,2 milhões. O que representa isso para Angola?
BV –
JA – Mas o que representa isso para Angola?
BV – Temos projectado para 2012 uma produção de 1,8 milhões de barris dia. Cremos que podemos continuar na expectativa de atingir este nível, que foi a projecção feita em função da nossa realidade em termos de entrada de novos campos em produção e declínio de outros, e esta é a média.
JA – Como é que um país como o nosso, cujo PIB tem ainda grande dependência das exportações de petróleo, pode acautelar-se da instabilidade anunciada?
BV – Há, de facto, uma série de variáveis que, num determinado momento da evolução da procura e da oferta no mercado, têm incidência na fixação do preço. Mas, normalmente, tentamos, a nível da OPEP, fazer uma monitorização e ter em consideração o aspecto especulativo do sistema financeiro mundial, que tem uma incidência muito grande no preço do petróleo. O petróleo é vendido de forma física, mas o sistema financeiro utiliza, para a mesma quantidade de petróleo, os ‘bounds’, e estes estão valorizados, neste momento, cerca de 30 vezes mais.
JA – Qual é a quota de Angola na produção mundial?
BV – É relativamente pequena. Segundo as estimativas, a nossa produção representa cerca de dois a três por cento da produção mundial. Somos um país com uma produção relativamente média, comparativamente aos grandes produtores de petróleo.
JA – Como é que o Executivo encara o problema dos chamados combustíveis não fósseis?
BV – Primeiro é preciso ter em conta as preocupações do Executivo relativamente ao ambiente, que tem um Ministério para tratar directamente das questões que se relacionam com ele e com o qual temos trabalhado muito estreitamente. Em relação ao Ministério dos Petróleos, temos alguma legislação publicada e que está a ser aplicada para atenuar e prevenir os efeitos do risco da nossa actividade. Há cerca de dois anos, foi criada a lei sobre os biocombustíveis, à luz da qual se aprovou uma estratégia que tem vindo a ser desenvolvida. É uma preocupação do Executivo, pois Angola dispõe de potencialidades significativas de recursos naturais. Tanto estes, como o petróleo, enquanto recurso não renovável, contribuem para que tenhamos uma maior riqueza. A estratégia do Executivo é olhar para o futuro, no sentido de termos condições de segurança energética para abastecermos não só o país, a médio e longo prazo, mas também a nossa quota no mercado energético mundial e que a exploração dos recursos renováveis e não renováveis contribuam para uma matriz energética estável em função da nossa realidade.
JA – Quem faz o controlo da observância destas leis?
BV – É o Ministério dos Petróleos, que está dotado de órgãos que têm essa função. Temos órgãos técnicos, de apoio, que exercem a sua actividade, olhando para estes instrumentos, quer os regulamentos quer a lei fundamental, e outras no sentido de acompanhar a aplicação das mesmas.
JA – A OPEP é acusada de não controlar os seus membros no que se refere à observação das quotas?
BV – Não é bem isso. São comentários que são feitos em função da percepção que alguns órgãos, fundamentalmente da comunicação social, fazem. A OPEP tem as suas regras, tem os seus estatutos, e cada um dos membros procura segui-los de forma consensual. O mercado está sempre em movimento e a cada momento são tomadas decisões em função da situação real que se vai vivendo. Por exemplo, em 2008, tivemos uma situação económica e financeira mundial muito complicada, que se reflectiu na volatilidade dos preços, e aí foi possível tomar uma decisão muito vigorosa para dar sinal ao mercado de que a OPEP é um instrumento que tem sido usado na estabilização dos preços do petróleo no mercado internacional.
JA – As quotas são apenas elemento de referência?
BV – Dificilmente cada um dos países cumpre a cem por cento as quotas estabelecidas. Com a evolução do mercado, em determinados momentos, uns cortam mais, outros não têm capacidade adicional de produção. No terceiro trimestre do ano passado, em que o mercado internacional necessitava de cerca de 60 milhões de barris por dia, por razões geopolíticas, grande parte dos países da OPEP não dispunha de capacidade excedentária de produção. Mas há outros que têm essa capacidade constituída. Alguns países que estavam praticamente a produzir no máximo da sua capacidade, não puderam abastecer completamente o mercado. A Arábia Saudita, que tem essa capacidade, pôde abrir as torneiras. Mas houve, de facto, uma intervenção dos países ocidentais, com eles a irem aos seus stocks e a abrirem as torneiras para fornecerem petróleo ao mercado internacional.
JA – Como se limitam as exportações, quando é grande a procura do crescimento económico, como acontece em Angola?
BV – Estamos com uma capacidade de produção de 1,8 milhões e estamos a trabalhar para que possamos atingir, eventualmente em 2014, cerca de dois milhões de barris por dia. Há campos que vão entrar em actividade este ano e outros que estão preparados para 2013 e 2014, que vão contribuir para que os nossos níveis de produção cresçam. Continuamos a trabalhar na pesquisa, na exploração, mas sabemos que após o anúncio de uma descoberta comercial, temos normalmente necessidade de quatro a cinco anos para os campos começarem a produzir petróleo para ser comercializado.
JA – O sector petrolífero é tido como não criando emprego?
BV – É uma actividade de capital intensivo que também exige capital humano muito especializado. É preciso ter o domínio de determinada tecnologia e, efectivamente, contribuímos com uma pequena parcela em termos de conhecimentos, embora a nível de empregos possamos considerar que entre os 71 mil existentes no sector, entre 10 a 12 mil são estrangeiros. Mas o sector petrolífero contribui de forma indirecta para o desenvolvimento de outros sectores. Estamos a caminhar para a diversificação da nossa economia e, de uma forma indirecta, o sector petrolífero tem contribuído para esse desenvolvimento. Mas, de facto, dos 71 mil trabalhadores do sector, uma grande parte trabalha em empresas prestadoras de serviços, porque as operadoras representam muito pouco, cerca de 10 a 12 mil trabalhadores.
JA – Qual é o estágio actual do processo de angolanização do sector petrolífero?
BV – É mesmo um processo, que continua o seu ritmo, e podemos considerar que esse ritmo atingiu patamares razoáveis, mas não completamente satisfatórios. O processo tem duas vertentes. Uma, é a integração dos angolanos através do emprego, e nessa integração produzimos determinados instrumentos legais que permitem, não só recrutar e integrar, mas formar e desenvolver, que é o conjunto que consideramos fundamental para que possamos ter angolanos bem formados para continuarem a evoluir e atingirem determinados níveis de responsabilidade no sector, principalmente nas empresas estrangeiras. A outra vertente tem a ver com a integração dos empresários nacionais na prestação de serviços no sector petrolífero.
JA – Que atenção que tem sido dada à segunda vertente?
BV – No ano passado foi possível aprovar, a nível do Executivo, alguns incentivos para os empresários nacionais, que começam agora a ser concretizados, para darmos o suporte necessário e continuarmos a ter presente o empresariado nacional, como contributo da sua presença na cadeia de valor da indústria petrolífera e para dispor de um quadro regulamentar que facilite o seu envolvimento.
JA – Que avaliação se pode fazer do programa de formação de quadros angolanos do sector?
BV – Continuamos a trabalhar, mas há aqui um aspecto que é preciso ter presente. Desde a nossa independência que esta actividade tem sido desenvolvida com muita atenção e com uma visão estratégica muito grande. Desde 1974, quando iniciámos uma produção de cerca de 173 mil barris e em que grande parte dos técnicos eram estrangeiros, até hoje, em que a produção cresceu cerca de 10 vezes, verificamos que de uma população de trabalhadores reduzida houve um aumento substancial de técnicos e quadros formados. Tudo graças às várias etapas e à visão estratégica do Governo. O primeiro grupo de estudantes que foi enviado para a Argélia regressou e substituiu vários técnicos estrangeiros, quer no “up streem”, quer na refinaria, e até mesmo no “down streem”. Existem bolsas de estudo, tanto facultadas pela Sonangol como pelo próprio Ministério, que têm proporcionado formação aos jovens em vários países, nas mais diversas especialidades. Há vários centros de formação em cada região de produção de petróleo, temos uma instituição que faz formação profissional e formação média de vários jovens angolanos. Podemos considerar que os programas satisfazem razoavelmente, mas a ambição continua, para atingirmos outros patamares.
JA – As outras companhias têm contribuído?
BV – As companhias também beneficiam do fundo de formação, por via do qual todas elas têm contribuído com 0,15 cêntimos de dólar por barril produzido em Angola. Começamos a produzir petróleo, hoje produzimos gás. E vamos trabalhar noutras regiões, como por exemplo o pré-sal, que vai exigir técnicos muito mais bem formados. E no pré-sal, como estratégia, a Sonangol vai criar uma instituição especializada para formar e contribuir para que em Angola possamos ter os técnicos necessários na actividade que está em progressão. Hoje produzimos petróleo no onshore e no offshore, o gás no offshore e continuamos a trabalhar no sentido de encontrar gás no onshore, e há cerca de três anos que se fala muito, no mundo, no óleo e gás não convencional, que constitui outro desafio para o futuro do nosso país.
JA – Qual o ponto de situação da Refinaria do Lobito?
BV – A Sonangol está a desenvolver o projecto. Durante o ano passado, trabalhou nesse sentido e esperemos que ao longo deste ano possamos iniciar e desenvolver as acções que fazem parte das decisões que foram tomadas no ano passado a esse respeito.
JA – Existe alguma previsão para o arranque do projecto?
BV – Eles continuam a trabalhar. Creio que devemos dar mais algum tempo. Eventualmente durante o próximo trimestre possamos ter uma data efectiva para que o projecto arranque e termine. Creio que neste momento foi encontrada a via para o tornar realidade.
JA – Com a aprovação da Lei sobre o Regime Cambial do Sector Petrolífero ficou determinado que as companhias passam a liquidar todos os pagamentos efectuados no país em moeda nacional. Como é que as operadoras estão a reagir a esta medida?
BV – Foi um trabalho conjunto entre o Ministério dos Petróleos, Banco Nacional de Angola, Ministério das Finanças, Ministério da Economia e com o envolvimento das próprias companhias. Foi possível encontrar uma situação consensual para que o regime pudesse ser alterado e tornado único, já que existiam vários regimes em função de cada bloco. Foi estabelecido um prazo, que é de cerca de 24 meses, além disso é necessário que o nosso sistema financeiro esteja também muito bem afinado e que os mecanismos existentes possam corresponder às expectativas na sua concretização gradual.
JA – Que avaliação se pode fazer do trabalho das companhias petrolífera no domínio da responsabilidade social das empresas?
BV – Continuamos a trabalhar com as companhias que têm as suas acções e os seus programas anuais, e demonstram alguma preocupação relativamente a isso.
Via | JA
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