segunda-feira, outubro 04, 2004

Aumento das benesses dos políticos, Quem vai pagar isso?

1. «O problema» - disse Agostinho Neto quando uma vez respondia a jornalistas sobre o futuro dos colonos mais abastados numa Angola que já se via que sob sua direcção iria empreender reformas de esquerda após a independência - «não é tirar aos que já têm, mas é dar aos que não têm».

Dir-se-ia, também, ao discutir a questão do aumento dos privilégios e regalias dos titulares de cargos políticos, que o problema da Angola de hoje, não é o de retirar a dignidade dos governantes ou dos deputados enquanto estiverem a exercer os seus postos: para todos os efeitos, muitos deles já a perderam quando humilhados até como homens, apenas para se poderem manter no seu pináculo de salto alto.

O problema é, afinal, ver por onde começar quando se pensar que os angolanos e os seus representantes têm de ter uma vida mais decente (no caso do povo), e alguma dignidade que o poder impõe aos cargos (no que aos outros diz respeito): se se começa pelo topo, onde existe uma classe política que ainda beneficia de critérios administrativistas de obtenção de rendimentos e de riqueza, ou se pela base, onde uma classe de trabalhadores sobrevive com privações tais, que só conhecem paralelos em sociedades governadas por conceitos medievais.

A perspectiva de um aumento tão ostensivo quão dispendioso dos privilégios e das regalias dos titulares de cargos políticos afigura-se devastadora para as aspirações dos trabalhadores angolanos, se comparada com as atitudes do Governo quanto às solicitações do Fmi e das organizações sindicais angolanas que desde o princípio dos anos 90 insistiam com as autoridades para que aumentassem os salários dos empregados angolanos da Função Pública.

O Fmi evocava a necessidade do aumento da eficiência do Governo por via de um incremento dos salários dos empregados da Função Pública, numa equação em que a eficiência seria atingida na medida em que tais serviços fossem desburocratizados e ocupados por servidores bem remunerados, e, logo, menos vulneráveis à corrupção. Isso teria ainda o benefício de que a dinâmica desses aumentos salariais seria seguida pelo sector privado por questões ligadas à competitividade do mercado de emprego.

Os sindicatos, por seu lado, diziam atender aos brutais níveis de miséria a que estavam sujeitos os trabalhadores angolanos, para solicitarem actualizações salariais compatíveis com os índices de desvalorização da moeda nacional (bastante acentuados naquela época), para depois se baterem pela instituição de um salário mínimo nacional.

Um eleitoralismo permanente naquela época de incertezas, em que se estava inclusivamente a negociar o futuro político do país com uma rebelião armada, levou a que o Governo passasse por cima das propostas do Fmi, aceitando, entretanto, já uns dez anos depois do início dessas discussões, o estabelecimento de um salário mínimo da Função Pública equivalente a 50 dólares por mês, quando os sindicatos pediam, baseados no que é necessário para se obter mensalmente um cabaz alimentar mínimo, 350 ou 500 dólares.

Temos, pois, de um lado, um exército de empregados maioritariamente mal remunerados com 50 dólares por mês ou 600 dólares por ano. De outro, uma elite minoritária que para além das remunerações, ainda pode obter privilégios, benesses e regalias que para cada um deles podem superar os 200 mil dólares por ano.

Neste caso, se o problema não é tirar aos que já têm, ele é, certamente, que os que já têm, estão a tirar dos que nada têm. A questão que se coloca é, pois, que a soma do dinheiro total que esses privilégios vão absorver, será mais útil para melhorar os níveis salariais dos mal pagos empregados da Função Pública, do que a pagar as mordomias de uma classe de servidores que é, por sinal, a menos sacrificada deste país de mártires.

2. Nesse plano de exacerbação de gastos públicos para servir de mordomias os políticos da situação, saltam à vista as intenções gratuitas de despesismo quando é proposto o pagamento de seguros de saúde para, entre outras coisas, evacuar para o estrangeiro os dignitários acometidos por doença.

Os receios relativos ao sistema nacional de saúde subjacentes à ideia de ir a correr para o estrangeiro com dignitários adoentados, é bem o reconhecimento de que, ao longo do tempo, esse sistema deu provas de ser tão pouco recomendável, que se tornou inviável para tratar a seres humanos, no que ainda é insuficiente para se chegar à verdade.

Posto que a verdade é que a nível do sector da Saúde, os governos que se sucedem desde Novembro de 1975, mais do que negligentes, agiram de forma criminosa ao deixar que regiões inteiras do país permanecessem durante anos a fio sem instalações hospitalares que as servissem, ou quando permitiram que aquelas que existiam, se degradassem até ao irremediável. Da mesma maneira, não foram feitos investimentos dignos do nome na formação de quadros cientificamente capazes.

Por isso, quando a evacuação dos titulares de cargos políticos adoentados foi idealizada, mais do que passar um atestado de incompetência ao Sistema Nacional de Saúde, estava-se a condená-lo a uma situação de desinvestimento perpétuo, principalmente pela falta de interesse de uma classe de políticos que, à mínima moléstia, tem abertas as portas de importantes instituições hospitalares estrangeiras.

3. Quem vai pagar a factura dos privilégios dos políticos é precisamente esse povo de trabalhadores mal pagos, adoentados e sem recursos financeiros e hospitalares para se tratar, porque é à custa disso que as benesses serão mantidas. E isso reside na equivocada noção de serviço público que se tem em Angola.

O problema dos detentores de cargos políticos em Angola é que esses postos sempre foram um catalisador de enriquecimento. Prova disso é que as fortunas da Angola do pós-independência sempre foram encontradas entre políticos da situação do passado e do presente, algo que só pode encontrar significado num quadro em que se tente explicar a corrupção, parcialmente definida como a utilização de cargos públicos em proveito próprio.

Benjamin Franklim (patriota e inventor americano) dizia que, à luz de conceitos como a abnegação e a democracia, o político é promovido quando deixa um posto público para voltar a ser povo, «porque deixa-se de ser servo, para ser-se patrão». Ao contrário, o que se vê aqui é que quando se atinge um posto político, passa-se de servo a patrão.



Semanário Angolense

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