Os carros que custam milhões
A borrasca subiu de tom e acabou por gerar um facto inédito. Pela primeira vez em 12 anos, a bancada parlamentar do Mpla, que sempre assinou de cruz as posições do Governo, desta vez não saiu em sua defesa.
Foi criada uma Cpi para deslindar esse assunto, mas nenhum dos deputados do Mpla está disposto a integrá-la. «A situação é de tal modo indefensável que cria constrangimentos e embaraços», contou ao SA um deputado maioritário
No seu mais recente capítulo, a novela sobre a aquisição de duas viaturas Audi 8 blindadas destinadas a juizes do Tribunal Supremo, que alegadamente terão custado 750 mil dólares cada uma, constituiu um insulto e desprezo aos deputados da Assembleia Nacional e às populações que os elegeram. Esta é a interpretação imediata que está a ser feita à atitude que tiveram os ministros das Finanças e dos Transportes, chamados esta semana a prestarem esclarecimentos no Parlamento.
Durante a interpelação, solicitada pela bancada da Unita, José Pedro de Morais e André Luís Brandão refutaram os valores astronómicos avançados pelo «Folha 8», mas também não fizeram questão de revelar os preços reais dos automóveis. «Rejeito, categoricamente, os preços que foram aqui avançados», disse o ministro das Finanças para acrescentar: «O preço real dos automóveis está depositado nos órgãos competentes do Governo». «Em relação aos carros, apenas podemos confirmar que foram feitas as aquisições das viaturas e que os valores não são altos», declarou por seu turno o ministro dos Transportes.
Enquanto a verdade permanece fechada a sete chaves, instigando toda a sorte de suspeições, a bancada parlamentar do Mpla acabou por acusar o embaraço e os constrangimentos criados pela situação. Bastante agastados, os deputados do maioritário consideram que os ministros tinham a obrigação de os esclarecer integralmente sobre os preços reais dos automóveis. «Não o tendo feito, eles trataram com desprezo os deputados, esquecendo-se que estes estão na Assembleia Nacional legitimados pelo voto dos eleitores, ao contrário dos ministros, que estão no Governo por nomeação», comentou um deputado do maioritário, que falou ao Semanário Angolense (SA) sob anonimato.
Tanto quanto o SA logrou apurar, as diligências dos deputados do Mpla, para levar os dois ministros a abrirem o jogo, já vinham detrás. Antes da interpelação, o Grupo Parlamentar reuniu por duas vezes com Pedro de Morais e André Brandão, mas ambos mantiveram-se irredutíveis, recusando-se a revelar os verdadeiros números da transacção.
Os deputados do partido no poder admitem agora como provável explicação para as dificuldades que os ministros estão a revelar, a eventualidade de terem recebido ordens superiores para comprar os automóveis, mas um ou outro ter decidido acrescentar mais zeros à direita do valor da factura.
Seja como for, a borrasca subiu de tom e acabou por gerar um facto inédito. Pela primeira vez em 12 anos, a bancada parlamentar do Mpla, que sempre assinou de cruz as posições do Governo, desta vez não saiu em sua defesa. Foi criada uma Comissão Parlamentar de Inquérito para deslindar esse assunto, mas nenhum dos deputados do Mpla está disposto a integrá-la. «A situação é de tal modo indefensável que cria constrangimentos e embaraços», disse a fonte deste jornal.
Com mais esse embaraço a juntar-se a outros problemas que já tem por conta de explosivos dossiers como o «dinheiro chinês» e a dívida pública interna, José Pedro de Morais vê o cargo de ministro das Finanças cada vez mais ameaçado. Mais lá ao fundo do binóculo fica a ambição que sempre teve de um dia chegar à Cidade Alta, não importando já se o sonho diz respeito tão-somente ao cargo de Primeiro-Ministro ou outro. Tantas vezes protegido pelos «deuses», a situação do ministro dos Transportes também não é muito famosa. Este escândalo apenas vem «enriquecer» a sua já negativa folha de serviços. Mas o que a opinião pública anota como surpreendente é mesmo o facto inédito dos deputados do Mpla se terem demarcado do executivo.
Outra face desta polémica é o facto dela perigar ainda mais a realização da conferência de doadores que o governo angolano vem pedindo insistentemente à comunidade internacional. Situações comprometedoras como estas refreiam o já de si pouco entusiasmo que os doadores internacionais têm revelado. «Um país que se põe a gastar rios de dinheiro em compras supérfluas não tem legitimidade para realizar a conferência de doadores. Eles não são burros», assinala um observador.
Para este observador, o dinheiro que se gasta na aquisição de viaturas luxuosas como essas representam custos de oportunidade nos sectores sociais do país como a saúde e a educação, a braços com acentuadas carências de infra-estruturas. «Quantas escolas e hospitais não seriam construídos com esse dinheiro que é vazado em objectivos supérfluos? É assim que o Presidente da República proclama aos quatros ventos que se pretende fazer de Angola um bom país para se viver?», interroga-se.
Francis*PAC
1 comentário:
o mpla os seus deputados sao todos farinha do mesmo saco com luis bradao e pedro de morais
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