(Por Esmael da Purificação)
ANGOP - Senhor presidente, quando é que se formaram os primeiros arquitectos angolanos no pós-independência?
Leonel Víctor (LV): Depois da independência, fez-se a primeira escola pública de arquitectura na Universidade Agostinho Neto. O primeiro grupo formou-se em 1984 e em 1990 criou-se a Associação de Arquitectos, depois, em 2004, a Ordem dos Arquitectos. Em 2006, realizaram-se as primeiras eleições e a partir daí a ordem começou a funcionar.
O primeiro grupo devia ter menos de 20 pessoas. Quando se cria a associação em 1990, devia ter menos de 100 arquitectos. Em 2006, quando houve as primeiras eleições na ordem, éramos cerca de 300 arquitectos e, neste momento, passados 10 anos, somos 1000 arquitectos inscritos.
ANGOP - Quando é que surgiram as primeiras escolas privadas de arquitectura em Angola?
LV: A partir de 2002, com a paz, começam a surgir várias escolas de arquitectura, não só públicas como privadas. Isto mostra muito bem que a arquitectura é um negócio de paz. Então com este advento, começam a aparecer, de uma forma rápida demais, escolas de arquitectura. Para se ter uma ideia, nós controlamos 18/19 escolas de arquitectura, mas oficialmente o Ministério do Ensino Superior mandou para nós uma lista de apenas 12 escolas de arquitectura.
ANGOP - Isto quer dizer que as outras seis ou sete são ilegais, quais são as acções que a ordem enceta, nesses casos, para que se acabem com estas situações?
LV: As instituições têm que saber que ao funcionarem à revelia do ministério os estudantes depois não podem exercer. Portanto, eles precisam de perceber que há uma ordem, há lei. Isto é transversal à vida do estudante depois de terminar. Essas escolas deveriam até ser criminalizadas, porque estão a gastar dinheiro e o tempo dos estudantes. Ficar 4 ou 5 anos a estudar e depois não poder exercer? Acho um caso de polícia, se calhar de procuradoria, porque é um crime público.
Não podem estar a cobrar dinheiro, dando a entender que está tudo ok. Eu acho que o Ministério do Ensino Superior, regularmente, deve publicar a lista das instituições que estão legais e publicitar em todos os jornais, para que, caso o estudante for para uma não autorizada, a responsabilidade seja dele, já não do Ensino Superior. Veja que nós temos tantas escolas ou mais escolas que todos os países africanos de língua francesa juntos.
ANGOP - Mas este número tem um resultado inverso em termos qualitativos?
LV: Não, nem por isto. A nossa qualidade é boa. É aceitável.
ANGOP - Mas há “vozes” que afirmam que a qualidade do ensino está abaixo de outras instituições de África…
LV: Não é verdade! Eu conheço, na qualidade de vice-presidente da União Africana de Arquitectos, muitos países da região e sei que, a nível da arquitectura, a maior parte dos arquitectos dos países francófonos foram formados em França, não nos seus países. Daí dizer que, em termos numéricos, a quantidade de escolas de arquitectura em África nos países francófonos é inferior às que temos cá em Angola.
O ano passado, fui convidado a fazer parte do júri do primeiro grupo que se formou nos Camarões. Convidaram pessoas de cinco países diferentes para avaliar os trabalhos dos finalistas e constatei que os Camarões têm uma escola de arquitectura, a Cote d'Ivoire não tem, as pessoas formam-se no Togo; os anglófonos sim, possuem várias escolas, o Magreb também. Aliás, em termos de números, os países do norte de África estão em melhor posição, com mais de 100, no seu conjunto, depois vêm os países anglófonos, a seguir os de expressão de língua portuguesa, só depois é que estão os francófonos.
Nesses, de língua portuguesa, Moçambique possui duas escolas, Cabo Verde tem duas escolas, em São Tomé não há, na Guiné-Bissau também não. Portanto é Angola que está à frente.
ANGOP - Então a formação de arquitectos em Angola é satisfatória, do ponto de vista quantitativo e qualitativo?
LV: É satisfatória, na medida em que os programas que as instituições de ensino cá usam estão em conexão com universidades estrangeiras, o programa curricular é um pouco similar com a universidade em que ela se espelha. Daí que, em termos curriculares, a matéria é a mesma. Agora em questões da qualidade dos docentes isto poderia ser mais discutível, mas dentro daquilo que é possível fazer já se consegue passar ao estudante. Eu acredito que é aceitável.
ANGOP - Neste sentido, pode-se dizer que nos projectos urbanísticos executados em Angola já existe traços de uma arquitectura angolana?
LV: Ainda não!
ANGOP - O que falta para que tenha?
LV: Falta darmos o sentido da angolanidade aos nossos projectos. Arquitectura, no sentido mais lato do termo, é uma das manifestações culturais que um povo tem. Dou um exemplo: Nós, enquanto seres humanos, temos a mesma necessidade. Precisamos de dormir, comer, conviver, fazer necessidades. Se nós transformarmos isto, estas nossas necessidades, numa habitação, tudo é igual, o que difere é a cultura de cada um. Ao olhar para a casa que o chinês faz, digo, aquela casa é chinesa; olho para a casa do árabe e digo, aquela casa é árabe; olho para a casa europeia e afirmo, aquela casa é europeia. Tanto no traço interior como exterior, eu sinto aquela característica; os adornos que vão dar às paredes, vejo os adornos e identifico a origem da sua concepção.
Muitas vezes, nas casas chinesas, asiáticas, numa forma geral, há a mesa no chão. Sentam-se no chão. Quer dizer, ao tratamento que eles dão à madeira, sente-se que é asiático. Isto aqui é chinês, mas é a sala, é o quarto ou a casa de banho. Portanto, sai da necessidade natural humana e passa para necessidade cultural humana. Isto é arquitectura, é cultura.
Nós temos, a nível da ordem, incentivado os arquitectos a fazer pesquisa e a puxar, cada vez mais, daquilo que são os nossos elementos culturais, os nossos motivos culturais. Por exemplo, qualquer angolano consegue identificar um pano do Congo, porque tem características próprias.
ANGOP - Mas muitos deles não são feitos no Congo?
LV: Eu sei, mas as características são nossas. Por exemplo, eu posso conseguir imitar a casa chinesa, com a mesma característica, mas haverá um detalhe que faria um chinês nativo dizer aqui falharam num ponto e apercebe-se não ter sido um chinês a fazer. É o que acontece com o pano do Congo, quem não prestar muita atenção vai pensar ser original, diferente daquele, em nível têxtil, em que conseguiram vincar uma personalidade cultural facilmente identificável.
Então é preciso vincar isto a nível da arquitectura. Aquela simbologia tem que existir nas nossas casas, nas nossas fachadas. Precisamos pôr simbolismos angolanos e nós temos, na nossa tradição, muitos. Desde o Pensador a Mwana Puo e outros que não se manifestam em termos culturais, mas bem interessantes. Então são estes elementos que nós precisamos colocar nos nossos edifícios.
ANGOP - Para que isto aconteça, é necessário o quê?
LV: Nós temos estado a organizar fóruns nacionais e internacionais, nos quais vamos passando esta mensagem aos arquitectos. Primeiro é necessário que as pessoas tenham conhecimento que é assim que se faz e onde ir buscar essas informações. Vamos ao Museu do Dundo e temos informações enormíssimas. Aliás, nem precisamos chegar lá.
Numa aldeia qualquer angolana, encontramos informações enormíssimas da nossa pintura. Vemos as nossas pinturas, quando há grupos culturais, grupos de dança. A maneira como são pintados serve de referência à nossa arquitectura. Nós temos tentado incentivar os arquitectos a perceber isto, para que consigam exaltar este elemento cultural presente nas nossas máscaras, nos nossos panos, nas nossas pinturas e que transportem para os edifícios. Quando os arquitectos, cada vez mais, começarem a ter consciência disto, e alguns já começaram, então se vai começar, inicialmente com alguma timidez, depois com alguma frequência e seriedade, a pôr estes elementos nos nossos edifícios, mas este é um processo que precisa começar.
ANGOP - No caso, como avalia a inserção dos arquitectos no mercado angolano?
LV: Nós temos, digamos, uma luta intensa, porque infelizmente o maior contratador cá no país é o estado, é o governo, e muitas vezes os projectos são feitos por arquitectos estrangeiros legais ou ilegais. Eu até compreendo aqueles casos em que um projecto público de grande dimensão, que se quer com alguma urgência, ou que por força de algum acordo internacional, é entregue a estrangeiros, mas outros não se justificam.
A qualidade de qualquer profissional ganha-se fazendo. Há um slogan que diz: o caminho faz-se caminhado. Se nós não caminharmos, nunca vamos fazer. Então o arquitecto vai ser bom à medida que for trabalhando cada vez mais, se não há oportunidade de fazer, não há oportunidade de ser experiente.
Há países que têm arquitectos que só fazem arquitecturas de hospitais, porque ele especializou-se em arquitectura de hospitais. Fez dois, três ou quatro hospitais e transformou-se no maior especialista em hospitais, então, sempre que alguém quiser fazer um hospital, contrata-o como consultor ou como próprio arquitecto, mas nós, infelizmente, por não haver trabalho, fazemos o que aparece. Faço um hospital hoje, amanha uma creche, depois uma escola. Quer dizer, não me especializo porque não há trabalhos.
ANGOP - Quantos são os arquitectos que trabalham à margem da ordem?
LV: Nós temos controlado mais ou menos 100 arquitectos estrangeiros e nacionais que exercem de forma ilegal.
ANGOP - Como é possível?
LV: Vejamos, se alguém é arquitecto e é nomeado para director nacional, sem se levar em consideração se ele está registado na ordem ou não, corre-se o risco de ir contra a lei. É preciso saber se ele pode exercer arquitectura, e para isto é a Ordem dos Arquitectos quem informa. Não me refiro só aos arquitectos estrangeiros, também aos nacionais. Há alguns em sector público e outros em privado que não podem exercer. Estes são a minoria em relação aos estrangeiros. Eu diria uns 30 nacionais para 70 estrangeiros.
O estrangeiro vem para aqui, pode exercer se estiver legal e inscrito na ordem, mas se não estiver não pode exercer, porém, muitas vezes, nós vemos esse estrangeiro a ir para o concurso público.
ANGOP - Mas há casos, e a ordem não tem formas de acabar com a situação?
LV: Não! O que nós podemos fazer é chamar atenção para quem decide.
ANGOP - Então, dentro deste quadro, é possível que projectos para Angola sejam feitos no estrangeiro, sem o vosso conhecimento?
LV: Há muitos!
ANGOP - Pode enumerar alguns?
LV: Não, é melhor não! Há dois perigos aqui perante esta prática. Um deles é a responsabilização, porque se acontecer alguma coisa com aquele projecto é preciso que o técnico seja responsabilizado. Se ele não está cá, se ele nem nacional é, nunca esteve inscrito aqui, que medida é que a ordem vai tomar, nós não sabemos se ele existe, como vamos responsabilizar esse arquitecto? Por outro, é a fuga de capital. Nós pagamos a esse arquitecto e, às vezes paga-se bem, para fazer um determinado projecto, é claro que ele não vai guardar o seu dinheiro cá nem construir a sua casa aqui no Marçal. Vai levar o dinheiro para a terra dele, por transferência bancária ou em mão, mas ele vai levar.
Além de pagar impostos, ele poderia fazer investimentos cá, mas como ele não é nacional, vai fazer investimentos na sua terra de origem, depois nós vemos que o país fica sem dinheiro. Claro!
ANGOP - Neste caso, os arquitectos estrangeiros também deveriam estar inscritos na ordem?
LV: Eles têm de estar inscrito na ordem! Muitas vezes, o que acontece aqui é que as pessoas têm visto de trabalho, mesmo sem poder exercer. Então como é que o visto é atribuído se ele não tem inscrição na ordem?
O primeiro requisito, para obtenção do visto deveria ser a inscrição na ordem e para estar inscrito na ordem, uma das obrigações, é que viva em Angola há mais de 15 anos, outro critério é que tenha estudado cá, assim como o da reciprocidade. Se nós não podemos exercer no país deles, eles também não o podem fazer cá. Então como é que eles aqui podem ter visto de trabalho sem ir para ordem? Não faz sentido, O que se deve dizer às empresas que queiram contratar arquitectos é que o façam somente no mercado nacional.
ANGOP - E quem deve impor esta situação?
LV: É o gabinete para quem eles escrevem. Os vários órgãos ministeriais a quem essas empresas escrevem a solicitar. Todos que se envolvem no mercado da construção civil.
ANGOP - Então está a sugerir haver falta de controlo dos órgãos afins?
LV: O que eu aconselho é o Ministério do Interior a rejeitar solicitações de vistos de trabalho a arquitectos que não tenham nos seus expedientes o parecer da Ordem dos Arquitectos Angolanos.
ANGOP - A ordem tem autonomia para inspeccionar uma obra para verificar a condição do arquitecto projectista e, caso este não esteja regularizado, mandar suspender os trabalhos?
LV: Nós ainda não chegamos a este ponto. Vamos chegar lá. Estamos na fase da educação, de sensibilização às várias entidades governamentais. Nós podemos partir para uma acção mais coerciva, mas primeiro estamos a aconselhar a quem atribui obras a essas pessoas, a essas empresas. É preciso perceber essencialmente a responsabilização das acções. Nós somos poucos. Angola tem mil arquitectos, Portugal 23 mil arquitectos, Brasil 130 mil. Se esses não nos deixam exercer lá, não somos nós que vamos abrir para 130 mil, não somos nós que vamos abrir para 23 mil, seria um rombo para o país.
ANGOP - Porque é que se exige os 15 anos ao estrangeiro para pertencer a Ordem dos Arquitectos em Angola?
LV: Porque uma pessoa em 15 anos aqui aprende a cultura nacional, consegue compreender a cultura nacional. Ele está há tempo suficiente para perceber as nuances da nossa cultura. Esse sim, está à vontade para fazer projectos aqui, um indivíduo que estudou cá, que teve contacto com várias sensibilidades da nossa cultura, então está á vontade.
ANGOP - Afinal quantos arquitectos estrangeiros têm legalizados?
LV: O número é muito pouco, temos ai entre dez a vinte.
ANGOP - Poderia falar dos detalhes do Plano Metropolitano de Luanda, caso tenha tomado contacto com ele?
LV: Não. Não tive!
ANGOP - Como foi possível, existir um plano metropolitano sem a ordem ter tomado contacto?
LV: É uma lacuna grande, mas infelizmente foi isto que aconteceu. Mas o que devemos realçar aqui é que o plano é necessário, isto não se discute. A empresa que elaborou o plano, acredito que tenha conhecimentos suficientes para isto. O que deveria ter acontecido é que nós déssemos a nossa opinião a respeito dos resultados. Por incrível que pareça, fez-se consultas a nível de localidades, a nível de escolas e outros sectores da sociedade, mas um dos sectores importantes como a Ordem dos Arquitectos não foi consultado. Então, nós, a este respeito, não podemos dar opinião porque não conhecemos sequer o projecto.
ANGOP - Como avalia o salto urbanístico que se deu no país. As novas centralidades obedecem aos padrões universais de habitabilidade ou merecem correcções?
LV: No meu ponto de vista, principalmente as do Kilamba, do Zango e do Sequele, eram necessárias no pós-guerra.
ANGOP - Porquê?
LV: Se repararmos, agora vou fazer uma incursão histórica, nós de 1975 até 1992, a guerra que tivemos cá, aconteceu nas aldeias, fora das cidades. O migrante que fugia da guerra para as grandes cidades, normalmente era alguém que chegava e construía em volta das cidades, daí o crescimento que os nossos musseques tiveram. Não havia aquela preocupação de se instalar no centro.
Nesse período até 1992, praticamente as únicas habitações feitas foram as dos “cubanos”, mas num número irrisório. Não sei qual era a taxa de crescimento naquela altura, depois de 1992, o fenómeno foi outro, porque a guerra não foi nas aldeias. A guerra foi nas cidades, e o indivíduo que fugiu da guerra já não construiu nos arredores da urbe, porque ele é muito urbano, não tem vivência rural sequer. Quando chega, fica na cidade. Foi o que vimos. De repente, o número de pessoas nas nossas casas passa de cinco ou 10 para 20-30, porque estas não estão à vontade no meio rural, não estão à vontade no meio periurbano, então eles preferiam ficar em habitações de famílias, que, muitas vezes, ficavam abarrotadas, já não havia sequer espaço para as pessoas viverem e era necessário o governo dar uma resposta com urgência.
Começou-se a dar alguma resposta com as 500 casas, depois o projecto morar, o projecto Luanda Sul. Mas quando veio a paz, percebeu-se que os empresários estrangeiros começaram a invadir Angola, no bom sentido, para negócios. Os preços dos hotéis triplicaram, os preços das habitações triplicaram. Num apartamento, sem condições nenhuma, por um quarto pagava-se 10 mil dólares. Quer dizer, era uma situação em que se precisava por mão, daí que as centralidades foram um mal necessário. Normalmente, todos os países saídos de uma guerra tiveram este tipo de resposta. A qualidade em termos de edifício é muito interessante? Não é, num pós-guerra, mas não é isto que preocupa!
Do ponto vista urbano, digo isto sem receio nenhum, o Kilamba está melhor que o Talatona. No Talatona não se passeia, não há espaço nem passeios. Não é um sítio onde as pessoas passeiam à cidade. No Kilamba, as pessoas passeiam à cidade.
ANGOP - Então o Kilamba só pode pecar na estética?
LV: Como eu disse, com respostas em massa, corre-se sempre este risco da qualidade da imagem, mas eu já vi projectos, que também foram respostas dos pós-guerras em que a qualidade da imagem é pior que a do kilamba.
O kilamba e outras cidades feitas foram uma resposta muito corajosa e até segura. Nós vimos como o preço da habitação caiu. Foi mais ou menos para a normalidade. Agora se me perguntarem sobre a necessidade das outras centralidades do país eu digo que não, já não se precisava.
ANGOP - Mas, porquê?
LV: Porque a pressão populacional já não era tão intensa. Haverá muitas casas vazias. É necessário, claro, já que as outras províncias também tiveram essa necessidade, mas não com a mesma dimensão que foram feitas. Avaliou-se mal as necessidades dessas províncias. Deveriam ser feitas centralidades, mas com um número mais reduzido de edifícios e não com aquela intensidade.
ANGOP - Então, como vê a estética no desenvolvimento urbanístico em Angola?
LV: Agora precisamos fazer com calma, porque a pressão que houve já passou. Agora nós precisamos encarar com alguma calma essa questão do desenvolvimento das cidades. Nós olhamos para os desenhos, para as habitações que são feitas, por exemplo, no Benfica e vimos muita boa qualidade no traçado das habitações. Então as respostas que estão a ser dadas já são com alguma qualidade, e ainda bem que existe o Plano Director de Luanda, porque vai encaminhar as realizações para os locais mais correctos.
A vantagem do plano director é que não se faz só por fazer em áreas eventualmente não realizáveis. Vai pôr um pouco de ordem nesse desenvolvimento e com isso vamos conseguir perceber e até nos antecipar, em termos arquitectónicos, sobre a tendência da construção habitacional, a tendência da construção industrial, a tendência da construção de um serviço qualquer que vai ser prestado. O plano director tem esta vantagem.
Mas isto passa por uma outra questão, que é a da documentação. É preciso que a nível nacional se comece a dar documentos aos terrenos. As pessoas precisam de ter documentação. Qualquer terreno que se ocupe tem de ter documento, só assim vamos poder evitar que população construa em zonas de risco. Por outro lado, esta população precisa começar a pagar imposto sobre o espaço onde vive. Todos nós, o governo está a perder dinheiro em impostos. Se alguém ocupa um terreno, em vez de ser desalojado deve ser cadastrado e pagar. Se for de forma ilegal, pior ainda, paga pela infracção, pela documentação que o legaliza, e depois um valor constante que pode ser mensal ou anual. Por exemplo, o equivalente a dez mil dólares por ano.
É preciso que o governo arrecade dinheiro. Nós temos esta luta dos terrenos porque não se dá documentos, não se paga. Todo mundo ocupa os terrenos, mas não tem documentos, depois vem outro ocupa, também não tem documento, vem outro e assim adiante. Neste processo, há revenda, mas ninguém tem documentos.
ANGOP - O verde é tido como o pulmão dos grandes centros urbanos, qual é a sua opinião sobre a conservação desses espaços na cidade velha, ou a sua criação nos novos centros urbanos?
LV: Não temos verde em Luanda, infelizmente. Aqui em Luanda tínhamos a floresta da ilha e a zona verde, mas estão num estado que ninguém consegue explicar o que se passa. E temos algumas arborizações. As que existem na cidade não são suficientes para absorver o dióxido de carbono que é emitido diariamente em todos os cantos. Então, a qualidade do ambiente, do ar que respiramos é má. Vemos o Kilamba, não há espaço só verde onde as pessoas deveriam ir e encontrar só o verde, mas o Kilamba não é um bom exemplo, porque foi feita em situação de emergência. É preciso que se arborize a cidade.
ANGOP - Quais são as consequências da falta do verde?
LV: As doenças, torna-se uma situação de saúde pública, então vamos ver uma vez mais os hospitais cheios, porque não há verde, a qualidade do ar não é boa.
ANGOP - O que pode falar sobre o aproveitamento das tecnologias ambientais para a construção, para o aproveitamento, por exemplo da luz natural, arejamento e outros benefícios?
LV: Qualquer arquitecto aprende na escola de arquitectura a sustentabilidade. Nós, de acordo com o hemisfério em que estamos, precisamos de proteger do sol a fachada que mais raios solares apanha e deixarmos descoberta aquelas parte em que o sol não incide tanto, isto é, indirectamente, portanto é mais luz do que sol. Nós vemos muitos destes exemplares de edifícios aqui com um resultado muito bem feito, nomeadamente o Ministério da Construção, com uma dupla fachada. Uma para protecção, e lá para trás tudo é completamente vidro, mas este vidro não sofre insolação, está completamente protegido. São soluções que se conseguem e fazem com que o ambiente no interior seja cada vez mais ameno.
O que acontece neste momento, é que os edifícios actuais estão ser a projectados por arquitectos pouco preocupados com as características de cá. Pega e põe uma série de vidros. O vidro mais inclinado, menos inclinado, mais para a direita, só que para se ter um conforto interior, se gasta muita energia eléctrica que vem por barragem ou por gerador. O gerador, normalmente, é a gasóleo e manda uma série de dióxido de carbono para o ambiente. Se o vidro recebe a insolação directa, cria um efeito estufa no interior, aquilo é um aquecimento infernal. Então é preferível usar um vidro simples, mas que a fachada esteja protegida, aí, o preço da construção caí e sobra dinheiro para outras coisas.
ANGOP - No mercado angolano coabitam materiais de construção nacionais e estrangeiros, pode comentar o seu uso, sobretudo na construção civil tendo em conta a longevidade da obra e defesa do meio ambiente?
LV: Sobre isto eu chamo atenção do perigo de se entregar obras a estrangeiros. Lembremo-nos que por trás de um arquitecto está sempre uma indústria de construção, não tenhamos ilusões: 90 porcento do material de construção envolvido na edificação do Kilamba é chinês. Porquê? Porque os projectistas foram chineses. 90 porcento do material que está no nova vida é da África do Sul, porque os projectistas foram sul-africanos. Outros tantos porcentos do material no Talatona é brasileiro, porque os projectistas são brasileiros, igualmente o material nas edificações da baixa de Luanda é europeu, porque os projectistas foram europeus. Então o denominador comum está na origem do arquitecto que define os materiais usados.
Se nós quisermos dinamizar a nossa economia, se quisermos que a nossa indústria de matérias de construção se desenvolva, então precisamos fazer lobbies com os arquitectos nacionais. Há necessidade de eles conhecerem os projectos que estão a ser feitos.
Por exemplo, sabemos que na zona económica especial há muito material, mas nós arquitectos não conhecemos as referências desses materiais para poderemos indicar nos nossos projectos. Uma loja pode ter o material feito na zona económica, mas se o arquitecto não o referenciar no projecto, dificilmente a procura será alta. Ele pode ter uma fechadura muito bonita, mas se o arquitecto não a conhecer vai pegar num catálogo de materiais estrangeiro e recomendar este.
Eu já fui a feiras internacionais a convite de instituições estrangeiras como membro da União Africana de Arquitectos. Eles vêm para África para fazer lobbies com os arquitectos e nós, muitas vezes, deixamos isto em mãos alheias. Porque os arquitectos não sabem o que está a ser feito no país, não têm como referenciar estes materiais em seus projectos.
ANGOP - Então há qualidade nos materiais de construção fabricados em Angola para dar resposta aos projectos em execução?
LV: Alguns até têm, mas nós não conhecemos. Ao que me estou a referir é que os arquitectos conhecem pouco da indústria de construção aqui, porque essa industria não faz o lobbies com os arquitectos, fecham-se quando deviam abrir-se aos arquitectos.
Casos os arquitectos conhecessem bem os materiais fabricados na Zona Económica Especial, poderiam referencia-los nos seus projectos e ajudar a subir as encomendas. Naturalmente que se houver sempre o esgotamento dos stocks, essas indústrias aumentariam a produção, e isto daria mais emprego, aumentaria a quantidade de materiais fabricados e depois, quem sabe, começariam a exportar para países vizinhos.
Nós estamos mais preocupados com as Feiras Internacionais de vendas daquilo que é produzido fora em detrimento do que é feito cá. Os nossos produtos não precisam de ir para as férias só para fazer publicidade, têm que contactar as instituições, no caso a ordem e os gabinetes de arquitectura para que se possa, cada vez mais, colocar esses produtos nacionais nos seus projectos.
ANGOP - Falou do vidro em Angola. Dada a realidade angolana, quais são os melhores materiais de construção ou métodos de construção melhores para Angola, o Tijolo cerâmico ou bloco de cimento; a cofragem ou a estrutura tradicional; a construção vertical ou as residências normais?
LV: Há muitos factores, porque Angola tem uma série de regiões climáticas: por exemplo, para Luanda ou outras zonas mais quentes no litoral, eu aconselharia o tijolo. O espaço feito por este material acaba por ser mais fresco que o elaborado em betão. Em questões térmicas, o tijolo deixa passar mais ar, o bloco resiste à passagem do calor e acaba por o fazer mais tarde, à noite, por aí.
Aqui, à noite, nós precisamos frescura, mas já no interior, casos do Huambo, Cuando Cubango e Huíla, eventualmente, o bloco poderia funcionar melhor, porque, do ponto de vista do trabalho térmico, apanha a insolação de dia e à noite, quando o calor já está a entrar para o edifício, a temperatura está a baixar e torna o ambiente mais agradável. Então, o uso do bloco e do tijolo depende da região em que se vai construir. Agora, a cofragem (estrutura de ferro) depende da opção de quem vai construir.
Quanto à construção vertical ou horizontal, depende muito daquilo que é o espaço que nós precisamos. Normalmente, os países misturam no centro escritórios, serviços e habitação, mas nas periferias não precisam desta pressão. Os espaços para serem usados em altura são aqueles que a própria dinâmica da sociedade obriga e depois, nos outros espaços mais periféricos, a construção é feita mais baixa, na horizontal. Não é por acaso que os bairros foram nascendo, porque a vida fora do centro, nos bairros, é feita um pouco com mais calma, com os serviços de proximidade. O ambiente no bairro, até, é mais de província.
ANGOP - Pode sugerir edificações de Angola que podem ser indicados como patrimónios locais e depois universais?
LV: Nós temos, por exemplo, as nossas maravilhas de Angola, precisamos classifica-las como património nacional e, sem medo de errar, digo que parte delas não está ou todas não estão. Quando nós catalogarmos e considerarmos os nossos patrimónios, serão considerados um bem público que ninguém mais pode mexer, para a sua preservação, mas não temos nenhum património registado na Unesco, quer dizer nós não entregamos nada à humanidade.
ANGOP - Mas temos o caso de Mbanza Congo?
LV: É que está no processo, foi bom termos este início e é preciso que venham outras.
ANGOP - Mas é precisamente isto que queremos saber, sobretudo em edifícios, se temos algum que mereça ser indicado para património universal?
LV: Temos edifícios classificados cá, a baixa de Luanda, a rua dos mercadores por exemplo. É património nacional, mas não é da humanidade, poderíamos propor que fosse património da humanidade. Há uma série de edifícios aqui na baixa de Luanda, com valor patrimonial que estão a ser mandados abaixo. Mas se além de património nacional, passassem a da humanidade não seriam demolidos.
ANGOP - E a cidade do Dondo?
LV: Não só a cidade do Dondo, eu visitei a cidade do Tombwa e fiquei abismado, o Tombwa praticamente é tudo património. Nós estamos ricos em termos de património que pode ser oferecido à humanidade. Quando a humanidade recebe, quando a Unesco recebe como património é ela quem paga as intervenções, porque deixa de pertencer a nós, depois fomenta o turismo científico. Há muita gente que passa a vida com a página do património da humanidade para estudar, sai do seu país e diz: quero estudar este tipo de património. Quero estudar arquitectura colonial portuguesa. Onde eu encontro arquitectura colonial portuguesa, património da humanidade? Ele vai ver na Unesco e encontra, sai do seu país e vai até ao Dondo ao Tombwa e à baixa de Luanda para estudar aquele património, mas nós não estamos a divulgar, nem sequer estamos a incentivar para que este turismo científico seja feito. Então há muito trabalho pela frente para nós que estamos mais directamente ligados a isto. As instituições ministeriais, as ordens e as instituições afins têm que trabalhar nisto.
ANGOP – Qual o ponto de vista do presidente da OAA sobre a história da arquitectura angolana?
LV: E m Angola com a chegada dos portugueses em termos de habitação e urbanismo os portugueses, à medida que foram tomando mais espaço dentro dos territórios, construíram as suas habitações, primeiro, moradias colectivas, depois moradias individuais e sempre naturalmente com aquilo que se fazia na Europa, nomeadamente Portugal. Era uma réplica do que se fazia em Portugal.
A imagem da baixa de Luanda, a Imagem da cidade velha de cabo Verde, a imagem de Maputo, todas as cidades coloniais portuguesas têm mais ou menos a mesma característica arquitectónica, daí que este tipo de casa ficou conhecida como habitação do tipo colonial.
Foi feita nesse período da colonização. Mais tarde começou-se a fazer edifícios mais imponentes. No início eram edificações mais pequenas e depois começaram a aparecer os palácios com mais envergaduras. Nos finais do sec XIX, quando surge a arquitectura moderna a nível do mundo, apareceram já casas projectadas por arquitectos, não por construtores, passaram a ser arquitectos a intervir mesmo.
As colónias passaram a ter muitos arquitectos, porque foi um processo em que a colonização foi um bocadinho mais intensiva em termos de ocupação de espaços, foi mais coerente em termos da maneira de fazer, Já não era fazer por fazer, mas espaços mais urbanizados. Surgiram vários projectos urbanos. Começaram a aparecer edifícios da arquitectura moderna, como os que se faziam lá fora, na Europa.
Naquela altura, começou-se a fazer arquitectura moderna cá, com uma característica ligeiramente diferente: é que os arquitectos portugueses ou angolanos cá iniciaram a fazer a arquitectura moderna, mas com a característica de Angola, respeitando o ambiente.
Muitos edifícios que eram feitos na Europa cumpriam o rigor do clima europeu, os arquitectos cá adaptaram as edificações ao rigor do clima angolano, africano numa forma geral, porque foram as mesmas respostas dadas em Moçambique e Cabo Verde, “bebeu-se” muito do esplendor da arquitectura que estava a ser feita no Brasil, mas conseguiu-se pôr uma característica mesmo nossa e conseguiram-se bons resultados.
Depois veio a independência e muito dos arquitectos (90 porcento) saíram do país, Angola viu-se a braços com uma guerra, sem quase arquitectos nenhuns, foi preciso uma coragem muito grande, porque, naquela altura, pensar-se em criar uma escola de arquitectura era quase um paradoxo em termos de determinação, e teve-se esta coragem.
PERFIL
Particularidades do Arquitecto Victor Leonel
Natural do Lobito, província de Benguela, onde viveu até 1985, altura em que chega a Luanda onde fez o curso médio e licenciou-se em arquitectura, em 1999. Nas primeiras eleições da Ordem dos Arquitectos Angolanos, foi o seu primeiro secretário-geral, cargo que ocupou nos dois primeiros mandatos do Arquitecto Gameiro. Em 2008, foi eleito membro do Conselho da União africana de Arquitectos, para três anos depois ser vice-presidente desta instituição, posição que ocupa actualmente no seu segundo mandato.
Em 2011 foi eleito tesoureiro do Conselho Internacional de Arquitectos de Língua Portuguesa (CIALC), função a que foi reeleito em 2013. Este ano foi eleito vice-presidente desta organização.
A nível da arquitectura, entre vários trabalhos, destaca-se o projecto em execução do Centro de Formação de Jornalistas na cidade do Huambo, uma das maiores obras de engenharia civil naquela província.
No seu currículo, consta o facto de ter sido um dos membros organizadores do Congresso da União Internacional de Arquitectos, que se realizou na África do Sul em 2014, pela primeira vez num país africano.
Além destas tarefas, já fez parte do júri do primeiro grupo de arquitectos camaroneses formados nos Camarões.
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