sexta-feira, fevereiro 04, 2011

Livro: A guerra colonial - A 4 de Fevereiro de 1961, o ataque à prisão de Luanda

A 4 de Fevereiro de 1961, o ataque à prisão de Luanda assinala o início da guerra colonial…

the portuguese way of war AO CONTRÁRIO do que muitos observadores da época previam, a resistência do salazarismo à descolonização foi duradoura, e as Forças Armadas, após os sobressaltos de 1961, prepararam-se para uma guerra de guerrilha prolongada. Ofuscada pela guerra do Vietname, relativamente esquecida pela comunidade internacional, a guerra nas colónias foi-se desenrolando como um drama forçadamente discreto, dada a natureza ditatorial do regime, até aos anos 70, quando a situação se deteriorou para os portugueses na minúscula Guiné-Bissau e, em menor escala, em Moçambique.
John F. Cann, antigo militar estacionado em Oeiras, resolveu escrever uma obra académica sobre a guerra colonial, «na perspectiva dos militares portugueses», a partir da sua tese de doutoramento no King’s College de Londres. Baseado em fontes impressas portuguesas e numa série de entrevistas com veteranos da guerra, esta é, creio, a primeira história militar da guerra colonial a ser publicada em inglês.

Uma história militar talvez demasiadamente estreita para o meu gosto, onde Cann pretende demonstrar que as Forças Armadas portuguesas encontraram uma estratégia particular de combate, militar e política, que foi original, permitindo, com poucos meios, manter uma guerra difícil, sempre com relativa superioridade. A tese central do autor remete para esta originalidade portuguesa na acção de contraguerrilha.

No campo da inspiração doutrinária anti-subversiva, os militares portugueses recolheram sobretudo elementos da acção francesa na Argélia e inglesa na Malásia, sendo o exemplo norte-americano secundário nesta fase inicial. A sua adaptação às colónias portuguesas e a transformação de um exército convencional num outro mais preparado para a contraguerrilha foi uma experiência «única» e revestiu-se de vários elementos. O primeiro foi a «africanização», recrutando localmente «de forma nunca vista nos tempos modernos» (pág. 11). O segundo foi a mudança para pequenas unidades tácticas semelhantes às da guerrilha, mantendo o tempo de combate pequeno e mais eficaz. Um terceiro reflectiu-se num programa de desenvolvimento económico e social que dificultou o sucesso político da guerrilha, e ainda em sucessivas operações psicológicas de «racionalização da presença de Portugal em África» junto das populações locais (pág. 11). «O facto de Portugal ter perdido a guerra porque não encontrou uma solução política para o conflito» não nega os seus sucessos militares, conclui o autor.

Nos restantes capítulos, John P. Cann tenta demonstrar, em alguns casos de forma mais convincente do que noutros, o carácter «sustentado» da situação militar a favor de Portugal. Exemplo de sucesso parece ter sido a solução encontrada para a falta de recrutas da Metrópole, pois a africanização supria com eficácia este défice, sem problemas de segurança de maior e com poucas deserções, muito embora o autor não se esqueça de salientar que o recrutamento de população para a guerra foi um dos mais fortes em relação ao número de habitantes, sendo cinco vezes superior ao norte-americano no Vietname. Outro exemplo também de eficiência parece ter sido a acção dos serviços de informação e de espionagem, quer no terreno quer no interior dos movimentos de libertação, explorando habilmente as suas crises internas. Já igual conclusão não se tirará da criação de aldeamentos estratégicos, que foram um relativo falhanço, sobretudo em Moçambique, criando forte animosidade das populações.

Competirá aos especialistas de história militar confirmar ou infirmar esta ideia de uma especificidade portuguesa de «fazer a guerra», que atravessa todo o livro e cuja maior aquisição seria a de uma guerra «pouco intensiva» e portanto «barata». Um bom indicador desta «boa gestão de recursos» estaria, segundo o autor, no número de mortos, que no caso de Portugal foi baixo em comparação com conflitos mais intensos, casos da Argélia, do Vietname e mesmo da I Guerra Mundial, o último em que o país tinha participado, 50 anos antes.

Entremos agora em algumas imprecisões do livro. Cann afirma-nos no prefácio que a sua reconstrução dos acontecimentos se baseia em entrevistas porque a maioria da documentação militar sobre a guerra foi destruída durante 1974-75 ou foi abandonada em África. Muito embora alguma coisa se tenha perdido, convém salientar que o que existe é muito. Não está é ainda acessível na sua totalidade à investigação académica, o que é algo bem diferente. Alguns detalhes são provavelmente apressados ou expressam uma boa-vontade que ulteriores investigações talvez desmintam. No capítulo sobre o sector de informações, Cann toma por valor facial a proibição formal da tortura por parte das chefias militares portuguesas (pág. 119), muito embora reconheça os efeitos perniciosos da sua utilização ocasional. Em alguns casos, os testemunhos dos actores militares ou policiais entrevistados não são confirmados por outras fontes, mas aparecem como factos provados, como é exemplo a ideia de que «o Exército tinha grande respeito pelos Flechas», as forças militarizadas africanas da PIDE (pág. 102). A opinião de que «os portugueses europeus se sentiram muito confortáveis a trabalhar com africanos portugueses» (pág. 104), muito embora podendo ser verosímil, em comparação com as relações raciais em outras guerras coloniais, pode derivar muito facilmente do estereótipo lusotropicalista transmitido pelos entrevistados.

Parece obter algum consenso a afirmação segundo a qual, nas vésperas do 25 de Abril de 1974, a situação militar nas colónias era, para a ditadura, boa em Angola, média em Moçambique e má na Guiné. Qualquer grito de catástrofe militar era pois prematuro, mas aqui não há, «stricto sensu», grande novidade. Cann poderia também ter ido mais longe em algumas condicionantes essenciais. A dimensão internacional está ausente, e com ela muitos aspectos centrais dos altos e baixos da guerra colonial. Se tivesse sido incluída, alguma da especificidade que Cann atribui à «maneira portuguesa» de fazer a guerra talvez desaparecesse. Outra variável importante, sempre aflorada mas nunca discutida nas implicações estratégicas e militares, é o sistema político, como se a natureza democrática ou ditatorial não fosse importante, sobretudo neste tipo de guerra.

Há alguns meses atrás, Cann reuniu em Londres, para um colóquio, alguns académicos e vários veteranos da guerra colonial. Os relatos do encontro apontaram para uma discussão viva, com alguns veteranos da guerra salientando que ela estava ganha pelos portugueses, no que não se demarcam dos profissionais de outras guerras. Esperemos que esta obra, inegavelmente séria e importante, desperte debates mais interessantes e seja um desafio ao aparecimento de uma nova investigação académica sobre um episódio central do nosso passado recente.

ANTÓNIO COSTA PINTO

in: Expresso

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