terça-feira, maio 29, 2012

A IMPORTÂNCIA DAS LINGUAS ANGOLANAS NA UNIDADE DA FAMILIA ANGOLANA por Amélia Arlete Mingas

a linguas nacionais angolanas
O título da nossa intervenção pode parecer controverso na medida em que refere-se à possibilidade de, a partir da nossa pluralidade linguística, podermos construir a nossa unidade.
O título da nossa intervenção pode parecer controverso na medida em que refere-se à possibilidade de, a partir da nossa pluralidade linguística, podermos construir a nossa unidade. Com efeito, se tivermos presente a lição que nos dá a Bíblia, ao referir-se à construção da Torre de Babel, inviabilizada pela utilização, na fase final, de línguas diferentes pelos seus obreiros, ser-nos-á difícil admitir ser possível aliar-se a pluralidade linguística à harmonia social. Na verdade e, em termos gerais, toda a harmonia social pressupõe/implica a existência de uma consequente intercompreensão linguística. Por conseguinte, pode parecer um exercício macabro pensar na aliança plurilinguismo/harmonia social, num país como o nosso, caracterizado por um desconhecimento geral da nossa realidade sociocultural e linguística.
Por outro lado, é preciso ter presente que esse desconhecimento foi, durante longos anos, potencializado por inevitáveis tensões internas, advindas do período de lutas fratricidas, cuja conflictualidade latente cria um ambiente de desconfiança, que se reflecte numa reacção instintiva de criar pequenos grupos, mesmo quando em reuniões sociais.
Nesta perspectiva, falar de harmonia/unidade, não é fácil, quando essa questão não pode ser discutida usando, todo o conjunto do país, um mesmo veículo de comunicação. A questão assume, por tal, particular acuidade nas relações entre as suas distintas comunidades.
Mas a harmonização do multilinguismo, que caracteriza a nossa sociedade, é justamente uma questão cuja solução, pensamos nós, a todos deve interessar e preocupar porque essa harmonia é-nos necessária e imprescindível, se quisermos ter uma Nação coesa e próspera. Daí a nossa aceitação da desafiante proposta para apresentar uma intervenção sobre o tema. As Línguas Nacionais
Esta designação generalizada, atribuída às nossas línguas de origem africana, é outra das questões que deve merecer uma reflexão cuidada, pelo menos por parte daqueles cuja formação permite um maior aprofundamento desta problemática. É que, pensamos que existe, no nosso país, uma tendência bastante grande para confundir Etnia com Nação, o que pode induzir em erro, alguns de nós.
A etnia constitui um ambiente natural de integração dos elementos de uma determinada comunidade. Não se pertence a uma etnia porque se quer. A Nação/Estado, ao contrário, não é natural, espontânea, porquanto resulta de uma vontade expressa de reunir, sob uma mesma direcção, indivíduos, comunidades, de acordo com interesses diversos que vão dos económicos aos da defesa/segurança.
No nosso caso, a Nação não foi criada por decisão dos Angolanos. Em consequência, a língua dominante foi a portuguesa, porque interessava juntar as comunidades africanas sob a bandeira portuguesa e, obviamente, as línguas locais foram relegadas para segundo plano. Consequentemente, a sua zona de influência, no conjunto do país, é largamente periférica relativamente à da LP, sendo igualmente periférica a participação dos seus locutores nas tarefas do desenvolvimento nacional.
Numa tentativa de reverter a situação, decidiu-se designá-las, após a independência, como nacionais. Mas, para que fossem efectivamente nacionais, necessário seria, que se fizesse um esforço no sentido de massificar o seu ensino/aprendizagem, o que teria como resultado um fenómeno de apropriação dessas línguas, pelo nosso povo e, nessa acepção, poderíamos falar de línguas nacionais, porque reconhecidas, como tal, por todos os Angolanos.
Mas, como isso não se verificou, o que nos resta, na realidade, são, tão somente “línguas étnicas”. Daí não nos ser estranha a tendência para se pensar, maioritariamente, muito mais como Ambundos ou Bakongos do que como Angolanos.
As Línguas Angolanas
O acima exposto viabiliza a utilização da expressão “Língua angolana” que, a seu turno exige que seja dada uma explicação. Temos que reconhecer que ainda não está suficientemente claro para todos nós, Angolanos, o que será uma língua angolana. Em nossa opinião, esse termo aplica-se a todo o meio de comunicação, usado no país, de origem local ou não local mas que, como acontece com a língua portuguesa, ganhou esse direito, pelo seu percurso histórico no nosso país.
Partindo desta premissa, uma vez que a língua portuguesa é a única que tem uma cobertura a nível nacional, na medida em que é a única das línguas usadas por uma grande parte do nosso povo, que é utilizada como veículo e matéria de ensino na educação formal, a nossa preocupação tem/deve, obviamente, centrar-se em todas as outras que, porque de origem continental e maioritárias, os seus conhecimento e domínio devem ser priorizados. Referimo-nos, obviamente, às línguas angolanas de origem africana.
Poderão ser levantadas questões como as de saber que línguas devem ser priorizadas, ao nível do ensino, como se pode pensar em ensinar/aprender línguas que não possuem uma base científica de sustentação, pois não estão descritas, não possuem um alfabeto, não contêm léxicos que se adaptem à modernidade.
Todas estas questões, embora possam reflectir uma preocupação legítima, estão eivadas do receio de encarar, frontalmente, uma questão chave: é que cada comunidade só cria os termos necessários ao contacto entre os seus membros; que o conhecimento e experiência de qualquer comunidade não são completos em si mesmos; que todas as línguas do mundo criaram o seu acervo lexical com base na sua experiência local; que todas as línguas beneficiaram e continuam a beneficiar do contributo linguístico de outras comunidades; que todas elas contêm mecanismos próprios de adopção de novos termos; que as experiências vividas pelos diversos povos do planeta devem ser partilhadas por todos, constituindo o seu património comum; que todo o saber deve contribuir para o bem estar da humanidade.
Qual a importância dessas línguas no contexto sociolinguístico local?
A discussão sobre a importância das línguas angolanas na unidade da família angolana é de uma pertinência lógica porque tem como premissas a harmonia/concórdia nacionais, alcançadas através da convergência linguística que, por sua vez, se deve consubstanciar no conhecimento, apropriação e domínio dos mesmos veículos de comunicação.
De recordar, que a língua portuguesa foi a escolhida para a colónia de Angola, na época, eufemisticamente chamada “Província portuguesa de Angola”. O Estado/Nação de Angola, independente, continua a ter a língua portuguesa como única língua oficial. É caricatural esta constatação.
Por outro lado, interessa sublinhar que as línguas, para além de permitirem o contacto entre os elementos de uma comunidade específica, possibilitam, de igual modo, que esses mesmos elementos se reconheçam, uns aos outros, através da e pela língua. É por isso que, se tivermos, como objectivo primeiro, a união da nossa família, urge que se defina o estatuto de cada uma das línguas faladas no país, que línguas deverão ser ensinadas e, dentre as últimas, aquelas cujo ensino deve ser prioritário, tendo em conta critérios que sejam explicados a todo o povo e aceites por ele; que tenhamos, enfim, sempre presente que, quanto menos línguas forem utilizadas, tanto mais forte será a sua operatoriedade.
A relação que fazemos entre o número e a operatoriedade do ensino das línguas é pertinente pois não é possível ensinar todas as línguas a todos nós, por razões óbvias. Contudo, já é possível ensinar as maioritárias ao nível de todo o país e as minoritárias nas respectivas zonas de implantação. Daí a importância da definição de critérios que estariam na base da escolha das línguas a ensinar.
Toda esta acção deve/tem de ser dotada de sentido para que, não só os processos, como os objectos, sejam não apenas aceites, mas, de igual modo, viabilizados pelos seus sujeitos. Nesta perspectiva, variáveis como “tradição”, “afectividade”, “experiência vivencial”, “investigação” enfim, não podem/devem ser dispensadas, sempre que se apresentem situações em que esteja em causa a viabilidade de uma concertação ao nível de toda a Nação.
O conhecimento e domínio das nossas línguas maioritárias consubstanciará a ruptura com o passado próximo, porquanto o contrário nada mais é do que estagnação. Por tal, o que interessa, neste momento, é renovar, evoluir; ultrapassar o período que se caracterizou por um esforço de relegar as nossas línguas e culturas a um nível de sub utilização; que possamos contactar, abertamente, uns com outros para que nos conheçamos melhor, para que nos amemos, para que nos aceitemos uns aos outros, sem rancores, nem mágoas.
Para que tal aconteça, é forçoso, urgente, necessário e óbvio que sejam corajosa e definitivamente definidas as metas a alcançar, para o real desenvolvimento do nosso país, (das quais a principal é a unidade da nossa família), unidade que só será viável quando podermos falar, livremente, uns com os outros, usando uma mesma língua.
Contudo, uma vez definidas as metas, dever-se-ão também definir as etapas e métodos necessários para que sejam atingidas essas metas. E então sim, teremos a possibilidade de incentivar a criatividade, a inovação e, acima de tudo, viabilizar a nossa Nação/Estado.
Texto apresentado nas jornadas Científicas da Universidade Jean Piaget, Angola, de 7, 8 e 9 de Novembro de 2002

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